Um ano depois do início do conflito na Faixa de Gaza, o sofrimento permanece, nas ruas e nas almas
Mohammed, Adham, Samira e Ibrahem. Há exatamente um ano, esses palestinos que nasceram e vivem na Faixa de Gaza presenciaram o momento em que 60 caças do exército israelense deram início a uma ofensiva militar que mudaria por completo suas vidas e seu território. Naquele 27 de dezembro, cerca de 50 pontos em Gaza foram atingidos por mísseis, e pelo menos 205 pessoas morreram. Depois de três semanas da Operação Chumbo Grosso, os mortos já somavam 1,4 mil do lado palestino — 13 entre os israelenses. Hoje, um ano depois, eles ainda não conseguiram esquecer o horror daqueles 22 dias, principalmente porque as cicatrizes do bombardeio intenso permanecem nas ruas.
“Nós continuamos vivendo em uma grande prisão, e a terrível destruição ainda está aí. Em todo lugar, vemos casas em ruínas, grandes pilhas de entulho nas ruas e muitos desabrigados, morando em tendas improvisadas e sofrendo com o frio do inverno”, descreveu ao Correio o assistente social Adham Khalil, 24 anos, que vive no campo de refugiados de Jabalyia, no norte da Faixa de Gaza. “Muitas ruas e edifícios não foram reconstruídos por conta do bloqueio a Gaza, que não permite a entrada de materiais de construção. A eletricidade é cortada todos os dias e a destruição de poços de água impossibilitou o acesso a água potável, especialmente nas áreas atingidas por Israel”, conta, por sua vez, o estudante Mohammed Fares El Majdalawi, 22, também morador de Jabalyia.
Aspirante a cineasta, Mohammed encontrou na paixão pela imagem uma forma de expressar sua indignação com a ofensiva, que deixou marcas profundas não só na paisagem, mas também na rotina dos quase 1,5 milhão de habitantes de Gaza. Ele entregou uma câmera para crianças do campo de refugiados filmarem o seu dia a dia entre as ruínas, editou pequenos documentários em árabe, e jogou na rede de compartilhamento de vídeos Youtube. “Por meio do meu trabalho, percebo que a ofensiva deixou um impacto muito grande sobre as crianças, que têm dificuldade em fazer coisas simples, como estudar — principalmente os que tiveram suas casas destruídas ou perderam alguém da família”, revela.
Samira Abed Elalim, 36 anos, que sempre viveu em Rafah, no sul de Gaza, ainda não se acostumou com as cenas de destruição que vê todos os dias. Segundo ela, que dirige o setor de assistência à mulher no Departamento de Serviços Públicos, é impossível não se chocar com as várias tendas espalhadas pelas ruas, nas quais vivem hoje pessoas que perderam suas casas nos ataques de Israel. “A pior imagem, para mim, é ver uma criança chorando de fome e não poder ajudar”, desabafa. A situação é ainda pior para quem precisa de assistência médica, denunciam os moradores de Gaza. É que o bloqueio à região não só impede que cheguem medicamentos, como não permite que deixem a região, em busca de tratamento, aqueles que se encontram em situação mais grave.
Falta de ação
Da parte do governo do Hamas, pouco foi feito para a reconstrução de prédios públicos e de casas. O argumento principal é que o bloqueio imposto por Israel à entrada de produtos como materiais de construção na Faixa de Gaza impossibilita a recuperação local. O que chega à região é por meio de contrabando, pelos túneis a partir do Egito. Na última quarta-feira, o relator especial das Nações Unidas para os territórios palestinos ocupados, Richard Falk, reforçou a denúncia às restrições israelenses e pediu intervenção da comunidade internacional. “Não há evidência de uma pressão internacional significativa para conseguir o fim do bloqueio em Gaza ou para garantir que os soldados de Israel e do Hamas sejam julgados pelos crimes de guerra denunciados durante os ataques à faixa”, disse Falk.
Ibrahem El-Shatali, 30 anos, morador da cidade de Gaza, afirma que muitas famílias “pensam profundamente” em deixar Gaza, e só esperam uma oportunidade de sair da região. “Eles não se sentem seguros, nem por parte do governo do Hamas, nem por conta de Israel. Ninguém tem certeza sobre seu futuro.” Segundo a ativista social Mona El-Farra, 55 anos, que escreve o blog From Gaza With Love, é possível “ver e sentir o medo no rosto das pessoas o tempo inteiro”. “Todos têm muito medo de outro ataque”, relata. “Minha principal preocupação é o futuro das crianças de Gaza, vivendo e experimentando situações violentas, e como isso pode afetar suas perspectivas.”
Mohammed, no entanto, vê o futuro de Gaza com mais esperança. “A vida dos palestinos hoje é tentar seguir em frente. Apesar da ocupação, do sofrimento, do cerco e das barreiras, a população de Gaza comemora e ri, e continua sua vida sob a ocupação.”
Marcha pela liberdade
Organizações não governamentais de diversas partes do mundo querem reunir, a partir de hoje, milhares de pessoas em marchas em solidariedade aos moradores da Faixa de Gaza. Para amanhã, está programada uma passeata em Nova York, com concentração na movimentada Times Square. No próximo dia 31, será a vez da Marcha pela Liberdade de Gaza, prevista para ocorrer, ao mesmo tempo, dentro da Faixa de Gaza e no território israelense, próximo à fronteira. Na última quinta-feira, no entanto, o governo do Egito anunciou que proibirá o acesso dos manifestantes ao território palestino.
Segundo nota divulgada pela chancelaria do Cairo, “as autoridades egípcias determinaram que algumas ONGs participantes não cumpriam os requisitos necessários”. O texto afirma ainda que “as disputas entre os organizadores complicaram a entrega das permissões”. “Qualquer tentativa de organizar a marcha será considerada (pelo governo do Egito) uma violação da lei”, destaca o comunicado. A decisão do Cairo fez com que as ONGs responsáveis pela marcha no Oriente Médio fizessem uma campanha pedindo, por meio de seu site, que os internautas enviem e-mails ao governo egípcio intercedendo pela manifestação.
A previsão é de que até 1,3 mil pessoas tentem entrar em Gaza pelo Egito. Os organizadores estimam ainda que cerca de 50 mil palestinos participem, em Gaza, de uma marcha de 5 km a partir da comunidade destruída de Iazbat Abu Drabo até a fronteira de Erez, que faz divisa com Israel. Eles se “encontrariam”, neste ponto, com palestinos e judeus solidários aos moradores de Gaza. Segundo as ONGs que estão à frente da manifestação, o protesto é apolítico e não tem o apoio do governo do Hamas. Em Nova York, os organizadores pretendem fazer uma “concentração” às 13h (16h em Brasília) na Times Square, antes de seguirem pelo Rockefeller Center, encerrando a marcha em frente ao prédio do consulado de Israel, em Nova York.
Fonte: Correio Braziliense
Por: Isabel Fleck
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