Um presídio condenado
Com apenas 18 anos de vida
e um histórico de centenas de fugas e dezenas de rebeliões, a
penitenciária estadual de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte, tornou-se um
emblema da crise carcerária do país. Tem os mesmos problemas da maioria
dos presídios brasileiros - superlotação, estrutura precária, presença
de facções - e outros que não se vê em nenhum lugar do mundo - foi
construído em cima de dunas com base em um trabalho de conclusão de
curso (TCC) de faculdade e não tem celas desde março de 2015, quando
Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Sindicato do Crime, facções que
hoje se digladiam em batalhas campais no presídio, se uniram para
reivindicar melhorias no maior motim da história do Rio Grande do Norte -
em termos de duração, o maior do Brasil, levando-se em conta que os
presos arrancaram as trancas e grades das celas, que não foram repostas
até hoje.
Até esta sexta-feira, quando uma força-tarefa
federal e policiais estaduais entraram no presídio, os detentos ficavam
andando livremente pelo pátio. O poder público só chegava até o portão
de entrada. Os chamados "presos de confiança", que circulam bem entre os
pavilhões e são vistos como elos entre a administração e a população
carcerária, eram convocados ao portão para passar recados sobre alvarás
de soltura e audiências e receber as marmitas e remédios. Se precisassem
entrar no presídio, os agentes penitenciários precisavam estar
fortemente armados, pois havia sempre o risco de serem feitos reféns.
No vácuo do estado, os líderes das facções
criminosas se estabeleciam como os verdadeiros gerentes da
penitenciária. Escolhiam as celas melhores, transformavam o pátio em
salas de reunião, planejavam fugas, ordenavam a morte de desafetos e o
pior: organizavam ataques fora dos muros. Na semana retrasada, ônibus
foram incendiados e prédios públicos atacados a tiros como represália
pela transferência de detentos do Sindicato do Crime. Torres de
bloqueadores de celular foram instaladas nos arredores de Alcaçuz no fim
do ano passado, mas os presos conseguiram acessar a fiação do
equipamento, que passa por baixo do presídio, e o desligaram.
Ainda nos tempos de paz, as facções se dividiram em
pavilhões. O PCC, que, apesar de ser minoria, tem maior poder de fogo,
ficou com as instalações mais novas e arrumadas, que não haviam sido
destruídas na rebelião de 2015 — o pavilhão 5. O Sindicato do Crime
domina os pavilhões 3 e 4. E os que não pertencem a nenhum grupo, a
chamada "massa", tem o 1 e o 2.
Mas em Alcaçuz, até os neutros tiveram
que formar uma espécie de organização para se proteger dos ataques das
facções. "De uns tempos para cá, a própria massa passou a se organizar
para enfrentá-los. O comportamento das facções em relação à massa
depende de cada unidade. Geralmente, os neutros são as primeira vítimas,
quando as facções querem criar algum fato ou chamar a atenção", disse à
VEJA o juiz de Execuções Penais do Rio Grande do Norte, Henrique
Baltazar.
Na madrugada do dia 15 de janeiro, munidos de
lanças, chuços (facas improvisadas) e pistolas, membros do PCC invadiram
o pavilhão 4 e mataram 26 integrantes do Sindicato do Crime numa clara
vingança pela chacina do Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus,
no primeiro dia de janeiro, quando 56 presos ligados ao PCC foram
assassinados pela Família do Norte (FDN), que é aliada do Sindicato do
Crime.
"Quando estourou a guerra de facções no Brasil,
Alcaçuz tinha o cenário ideal para o que estava acontecendo. Era o
presídio mais vulnerável", afirmou o procurador-geral de Justiça do Rio
Grande do Norte, Rinaldo Reis. Assim como na Região Norte, o PCC, que nasceu em
São Paulo e se espalhou por outros estados e países vizinhos na rota do
tráfico de drogas, chegou ao Rio Grande do Norte por volta dos anos
2000. Dissidentes do grupo paulista que não concordavam com algumas
regras, como o pagamento da taxa mensal às famílias dos presos, se
desfiliaram e fundaram o Sindicato do Crime, em 2013.