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domingo, 29 de outubro de 2017

Sociedade em movimento

Excesso de ceticismo faz o jogo de filhos e viúvos do imobilismo


“VEJAM, não há povo nas ruas”,
apontam com um quê de alívio aqueles avessos a mudanças que lhes possam alterar as rotinas de desfaçatez. “Por que não há povo nas ruas?”, perguntam-se os inconformados com o atual clima de apatia em tudo destoante da ebulição que permeou o país de 2013 a 2016 e arrefeceu após o impeachment de Dilma Rousseff, não obstante o ambiente na política continuar indo de mal a pior.

Sim, não há povo nas ruas, mas nem só de passeatas e panelaços vivem as insatisfações sociais. Nem só nas manifestações estrondosas e volumosas são gestadas as transformações. Nem tudo é quantidade e/ou estridência. Valorosos também são os conceitos, os propósitos, a consistência das ações e a persistência dos agentes dos atos. No caso, os cidadãos de cuja percepção não parece fugir a evidência de que há a hora de gritar e a hora de providenciar uma solução com a cabeça bem equilibrada no pescoço e os pés firmes no chão.

Tudo isso dito para chamar atenção sobre os vários grupos de diversos matizes ideológicos que estão surgindo sob a bandeira da reformulação da política, notadamente a partir da arregimentação de gente nova interessada numa atividade hoje de difícil (se não impossível) acesso ao brasileiro comum. Aquele que não tem dinheiro, não é herdeiro político, não dispõe de fama nem do apoio de estruturas corporativas ou religiosas, mas tem vocação e disposição para o exercício da função pública em cargos eletivos.

Já há mais de dez grupos desses em início de funcionamento, integrados por empresários, estudantes, profissionais liberais, acadêmicos, funcionários públicos, em geral jovens e anônimos, embora alguns tenham o apoio de gente bem conhecida como Armínio Fraga, Luciano Huck, Eduardo Mufarej, Nizan Guanaes, Carlos Jereissati Filho, Guilherme Leal, entre outros. [nesse grupo onde cabe Luciano Huck, cabe também Danilo Gentili, Alexandre Frota e outros do mesmo naipe.] Ainda que o objetivo seja o mesmo, variam os métodos: da concessão de bolsas de estudos para a formação de lideranças ao debate de uma nova agenda para a política, aqui incluída a revisão dos meios e modos do ofício.

Iniciativas louváveis, pois não? Pois é. Antes mesmo que comprovem ou não eficácia nos procedimentos e lisura de propósitos, esses movimentos têm sido alvo de descrença, quando não de desqualificação, por parte dos ativistas de internet cuja ignorância no ramo não lhes permite distinguir engajamento político de ceticismo à deriva, para não dizer boboca. Gente que considera que a suspeição é geral e irrestrita e que tudo e todos se movem por intenções espúrias. Na visão desse pessoal, há sempre algo “por trás”, ainda que não identificado, e muito menos nominado.

Essas pessoas presumem sempre o pior, plantam sementes nas sombras, enxergam fantasmas ao meio-dia. Atuam no terreno do preconceito e, com isso, alimentam o ceticismo excessivo que veste como luva o figurino dos adoradores (aproveitadores, por que não?) do imobilismo do Congresso e da aversão ao avanço patrocinado pelo establishment partidário, situação contra a qual finalmente algo se move na sociedade.
 
Fonte:  Dora Kramer - Revista VEJA