Ouça a íntegra e confira um trecho da
entrevista espantosa: a presidente do Brasil não governa sequer o que diz
O áudio em estado bruto e o texto
sem revisão nem retoques, ambos divulgados pelo Portal do Planalto, informam que o que
deveria ser uma entrevista da presidente Dilma Rousseff ao jornalista mexicano
Dario Pignotti foi uma genuína conversa de
hospício. O que
se ouve e lê é um documento histórico tão precioso quanto perturbador. E o
confronto de alguns trechos demonstra que o
diálogo amalucado nada tem a ver com versão publicada por La Jornada.
Dos
22min22 aos 24min02, por
exemplo, entrevistado e entrevistadora produzem em
dueto uma estarrecedora sequência de frases desconexas, afirmações sem pé nem cabeça e apartes
bêbados que a rapaziada do Portal do Planalto transcreveu com elogiável
fidelidade:
Presidenta: Qual é
a cor da sua bandeira?
Jornalista: Branca, azul e
vermelha.
Presidenta: Branca,
vermelha e azul, não é? Não, verde.
Jornalista: Não, vermelha e verde,
verde. Igual que a da Irlanda, igual que a da Itália, só que tem o escudo no
meio, da águia com a serpente.
Presidenta: Ah, tem
o escudo no meio, está certo, com a serpente. E deixa eu te falar uma coisa…
Jornalista: Mexicanos são grito de
guerra,
Presidenta: Por que
que eu perguntei isso? Sabe por quê? Teve um teatrólogo brasileiro, que você
deve conhecer, Nelson Rodrigues, que, além, disso, foi um colunista de futebol.
Jornalista: Sim, claro.
Presidenta:
Que quando se referia à Seleção Brasileira, dizia
que a Seleção Brasileira era a pátria de chuteiras, a pátria verde e amarela de
chuteiras, Lá, a Seleção Mexicana é a pátria azul, branca e verde…
Jornalista: Não, a camisa é verde, a camisa
da Seleção. Sim, é verde.
Presidenta: É
verde? Então, é a pátria verde e chuteiras. A nossa também às vezes é verde,
hein?
Jornalista: Agora deixa eu fazer
uma pergunta, uma pergunta...
Presidenta: Agora,
a Petrobras é tão importante para o Brasil como a Seleção.
Jornalista: Claro.
Presidenta: Então,
eu sempre disse o seguinte: se a Seleção Brasileira é a pátria de chuteiras, a
Petrobras é a pátria com as mãos sujas de óleo.
Jornalista: Ah, isso é muito bom,
Presidente, é uma frase muito boa.
Presidenta: E vocês
têm também a pátria suja de óleo lá, a mão suja de óleo.
Jornalista: Desde o presidente
Cárdenas.
Presidenta: Cárdenas, el grande presidente
Cárdenas.
Recriada
pelos editores mexicanos, essa intragável gororoba de
243 palavras acima servida virou uma sopa de letras que se pode engolir sem
engasgos:
“Le
cuento una historia: en Brasil hubo un escritor y cronista de futbol, Nelson
Rodrigues, que cuando se refería a la selección decía que era la patria
verdeamarilla con botines de futbol. En forma análoga, Petrobras es una empresa
querida por el pueblo brasileño, para mí es tan importante para Brasil como la
selección de futbol, y creo que en México ocurre algo parecido con Pemex, desde
que el gran presidente Lázaro Cárdenas nacionalizó los hidrocarburos en los
años 30″.
(Tradução
livre: “Ouça esta história. Tivemos no Brasil um escritor e cronista de
futebol, Nelson Rodrigues, que se referia à seleção como a pátria verde e
amarela em chuteiras. Faço uma analogia. A Petrobras é uma empresa querida pelo
povo brasileiro, para mim é tão importante para o Brasil como a seleção de
futebol, e creio que no México ocorre algo semelhante com a Pemex, desde que o
grande presidente Lázaro Cárdenas, nos anos 30, nacionalizou os
hidrocarbonetos”)
A versão
em espanhol, reduzida a 79 palavras, expurgou o
amalucado falatório que redesenha a bandeira do México e contamina as mãos da
Pemex com a sujeira do Petrolão. Redundâncias
bizarras ou bijuterias verbais foram para o lixo e a mulher indecifrável se
tornou inteligível. Dá-se a isso o nome de “edição”. É só uma forma de vigarice que
sonega aos leitores a informação essencial:
o declarante é incapaz de
traduzir em linguagem de gente o que lhe vai pela cabeça em permanente tumulto.
Vale a pena ouvir de ponta a
ponta a entrevista inverossímil. Em pouco mais de uma hora,
fica evidente que Dilma não faz sentido. Como
a Constituição não autoriza a decretação do impeachment por insanidade mental,
o Brasil segue lidando com uma
presidente que não governa sequer o que diz. Os
primeiros meses avisam que três anos e meio, em certos momentos históricos, podem ser a medida da eternidade.