Em 13 de julho de 2007, Marcelo Odebrecht enviou e-mail a executivos da companhia:— Afinal vocês fecharam com o amigo do amigo do meu pai?
Resposta de Adriano Maia:
Em 9 de abril de 2019, Odebrecht apresentou esclarecimentos sobre
mensagens que entregara para substanciar sua colaboração. A Polícia
Federal queria saber quem era “o amigo do amigo do meu pai”. O
empresário elucidou:— Refere-se a tratativas que Adriano Maia tinha com a AGU sobre temas
envolvendo as hidrelétricas do rio Madeira. ‘Amigo do amigo do meu pai’
se refere a José Antonio Dias Toffoli.
AGU é Advocacia-Geral da União, então comandada por Dias Toffoli, época
em que a Odebrecht tentava vencer — e venceria — a disputa pela
construção da usina de Santo Antônio, no Madeira.
Marcelo Odebrecht
acrescentaria que a “natureza e o conteúdo das tratativas” só poderiam
“ser devidamente esclarecidos por Adriano Maia, que as conduziu”.
Nunca houve novos esclarecimentos — jamais se soube o que estaria “em
curso”, idem o significado daquele “fecharam” do “fecharam com o amigo
do amigo do meu pai?” — nem há referências a pagamentos etc. associados
ao codinome do ora ministro do STF.
Mas, se não é possível, apenas com
base na menção a Dias Toffoli, afirmar que havia algo de ilegal nas
relações com a construtora, é seguro dizer que a alusão deveria bastar
para que se declarasse impedido de apreciar o caso.
Se a questão fundamental é a defesa do devido processo legal, tão
atacado pela corrupção de meios da Lava-Jato, fundamental deveria ser o
impedimento do ministro para cuidar de tudo quanto se referisse à
Odebrecht nos escombros da operação.
Em vez disso, esteve bem à vontade,
agudo o faro das oportunidades, para decretar a nulidade de todas as
provas derivadas do acordo de leniência da empreiteira — inclusive a
porção que o cita.
Só mesmo o ímpeto por vingança, que acomoda os abusos de poder, somado
ao triunfo do vício monocrático, com que juízes da Corte constitucional
dissimulam autoritarismos para gerir assuntos pessoais, explica que Dias
Toffoli faça o que fez se arvorando ainda em guardião do Estado de
Direito.
Ele terá evoluído; sofisticado o estilo. O conjunto colhido pela
Lava-Jato seria produto, segundo o ministro, do “pau de arara do século
XXI”, mesmo que nenhum Odebrecht parecesse seviciado ao falar. Delataram
— e acordaram as leniências — assistidos pelas melhores bancas do país. (Se a forma do acordo do Estado com graúdos da empresa foi exercício de
tortura, como se deveria nomear o que se aflige aos pobres presos
preventivamente Brasil afora, presídios adentro?
Caberia também
perguntar se consistiriam flagelação os modos empregados para acertar a
delação de Mauro Cid, posto em liberdade provisória tão logo homologada
sua colaboração; hein?)
Dias Toffoli progrediu. Avançou da condição de censor da atividade
jornalística à — raríssima — de juiz responsável pela garantia da
higidez do devido processo legal depois de haver anulado a validade de
provas que o mencionam.
Falei em censura. Em Dias Toffoli censor. É impreciso.
Ele terceirizou o
ato, preciso sendo que havia muito a cadeia de amizades o incomodava.
Marcelo Odebrecht contara quem era “o amigo do amigo do meu pai” em 9 de
abril de 2019. No dia 11, a Crusoé publicou reportagem a respeito. No
dia 15, a revista foi censurada, obrigada a tirar a matéria do ar.
Barbaridade inicial do onipresente, onisciente e eterno inquérito das
Fake News, criado por Dias Toffoli em março daquele ano — sob o
argumento de defender a honra dos ministros do Supremo — e dado para a
gestão de Alexandre de Moraes, donde a censura terceirizada. Moraes
censurou.
A censura mobilizaria a reação da sociedade e logo cairia.
A reportagem
da Crusoé está aí, para quem quiser ler.
Mais uma razão para que se
rechacem os desejos por tornar peças secretas canetadas como a de Dias
Toffoli.
A censura caiu. A reportagem está disponível. Dias Toffoli é, segundo
Marcelo Odebrecht, “o amigo do amigo do meu pai”.
É. Ao mesmo tempo,
era. Já era; porque doravante vige a imprestabilidade do esclarecimento,
a esterilidade da apuração, impossíveis quaisquer elucidações sobre
tratativas e fechamentos. “Segundo Marcelo” não existe mais — decidiu
Dias Toffoli.
O “pai” (de Marcelo) é Emílio, amigo de Lula — amigo de Dias Toffoli.
Era. Dias Toffoli era amigo de Lula. E continua não sendo; o ministro
militando, em maiúsculas, para refazer os laços com o (de novo)
presidente e turma.
Não lhe falta coragem; de maneira que vai urgente, por favor, que Lula responda ao zap e perdoe —anistie — o ministro.
Carlos Andreazza, colunista - O Globo