Análise: O dono da crise
Na gênese do problema está um presidente avesso a conflitos, cujo maior problema são os amigos. Eles são muitos, especialmente no Congresso
Esta é uma crise que tem dono. O nome dele é Michel
Temer. Ela não começou e nem deve terminar na demissão do sexto
ministro, em seis meses. Sua origem está na aversão do presidente ao
conflito. Aos 75 anos, Temer já viu quase tudo na política
contemporânea: golpes, contragolpes, ditadura, eleições diretas,
indiretas e dois impedimentos presidenciais. Sobreviveu, preservando-se
no limite da equidistância.
A exceção foi no último impeachment. Com apoio de
amigos como Geddel Vieira Lima, Eliseu Padilha, Moreira Franco e Eduardo
Cunha, comandou o roteiro da cerimônia de adeus de Dilma Rousseff,
tornando-se usufrutuário da cadeira presidencial. Anteontem, ao revisar a nota oficial do governo sobre
a demissão e o depoimento à polícia do ex-ministro da Cultura Marcelo
Calero, Temer fez questão de destacar uma frase: “O presidente buscou
arbitrar conflitos entre os ministros e órgãos da Cultura.”
Nessa dúzia de palavras transparece algum apreço pela
taramelaria, porque, no caso, não havia resquício de conflito de
interesse público “entre os ministros e órgãos” a exigir arbitragem do
presidente da República. Existia, sim, um confronto entre as prioridades
pecuniárias de um incorporador imobiliário privado — ocasionalmente, com
o botão de ministro da Secretaria de Governo na lapela — e as de um
organismo federal que há 80 anos é responsável por uma política de
Estado, a preservação do patrimônio cultural.
A demissão do ministro pode encerrar o episódio e o
inquérito policial decorrente. Durante seis meses, o ex-deputado baiano,
com o sorriso pleno das gordas bochechas que distendiam a vasta papada
branca sobre o colarinho, predominou nas fotografias e nos bastidores do
governo do “querido amigo”, como qualificou na carta ao presidente.
A despedida de Geddel, porém, não liquida a crise,
porque o nome dela é Temer. Na gênese está um presidente avesso a
conflitos, cujo maior problema são os amigos. Eles são muitos,
especialmente no Congresso, onde alguns reivindicam seu discreto apoio
em causa própria — como demonstram as opacas negociações conduzidas pelo
presidente da Câmara sobre a anistia ao caixa dois, simultâneas às
dirigidas pelo presidente do Senado sobre a permissão à repatriação de
dinheiro de origem questionável pelos parentes de políticos.
O caso Geddel sugere que a Temer muito custará
conservar os amigos, porque governa com eles — e o poder do “querido
amigo” presidente nem sempre será suficiente para contentá-los.
Fonte: José Casado - O Globo