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quinta-feira, 28 de maio de 2020

Resultado prático da investigação de fake news vai ser três vezes zero - J.R. Guzzo


O Estado de S. Paulo

A questão é o clima tóxico que se estimula no Brasil por força da crescente incerteza sobre o que é legal e o que é ilegal neste País

O Supremo Tribunal Federal, como se sabe, abriu em março do ano passado uma investigação para apurar possíveis delitos – e os culpados por eles – na divulgação de “fake news”, ou notícias falsas, que têm ou teriam ocorrido contra o próprio STF, seus integrantes e membros de suas famílias. É uma dessas coisas que começou no escuro e caminha em direção ao escuro. Sua manifestação mais ruidosa acaba de acontecer com a realização de cerca de 30 buscas e apreensões, executadas por agentes da PF numa inédita missão a serviço do Supremo, na manhã desta quarta-feira, 27. Os alvos foram editores de blogs pró-governo e anti-STF, indivíduos diversos e oito deputados no exercício dos seus mandatos, seis deles federais. Pode isso?

Não foi uma decisão dos 11 ministros que compõem o plenário do tribunal. Quem resolveu assim foi o presidente do STF, Dias Toffoli – e, desde o início o Ministério Público, a quem cabe segundo a lei brasileira a exclusividade pela condução de inquéritos criminais e o eventual oferecimento de denúncias à Justiça, foi contra. O STF, segundo entendia o MP de então, não tinha o direito de abrir e operar uma investigação de crimes supostamente cometidos contra ele mesmo – ou, na verdade, contra ninguém. Muitos dos mais respeitados juristas brasileiros têm exatamente a mesma posição. Mas por uma dessas coisas que tornam o Brasil, com frequência, um país incompreensível, a Procuradoria-Geral da República mudou de opinião e começou a achar que o procedimento era legal, sim, desde que o presidente Jair Bolsonaro nomeou o novo e atual chefe, Augusto Aras. Como assim? A PGR, que era contra, passou a ser a favor de uma operação de legalidade intensamente duvidosa que reprime os grandes amigos do governo Bolsonaro? Pois assim está.

O ministro Luís Roberto Barroso tinha dito, justamente dois dias antes, que o STF é quem garante a manutenção da democracia no Brasil, e que as críticas a ele são livres  – o que não se pode é deixar de cumprir as suas decisões. Onde se encaixa, então, o rapa de hoje?? Se as críticas são realmente livres, por que as apreensões de celulares e outros atos de repressão contra editores de blogs e, mais que isso, seis deputados federais, que fazem parte de um Poder independente? Por que, dentro deste mesmo inquérito, o ministro Alexandre Moraes censurou o site O Antagonista e a sua revista digital  Crusoé.

Independente da opinião do atual PGR, qual a lei brasileira que permite ao STF abrir e conduzir diretamente uma investigação criminal? 
Onde está escrito que delegados e agentes de polícia passem a obedecer a ordens de um ministro e saiam por aí apreendendo celulares, entrando em residências e convocando para depor pessoas que não são acusadas oficialmente de nenhum crime pelo Ministério Público – inclusive parlamentares com imunidades constitucionais perante os dois outros poderes? 
É legal fazer um inquérito que não tem um fato determinado a apurar, nem indiciados? 

O resultado prático de todo esse som e fúria vai ser três vezes zero: ninguém vai para a cadeia, nenhum deputado será cassado e não haverá órgãos de imprensa proibidos de funcionar. A questão é o clima tóxico que se estimula no Brasil por força da crescente incerteza sobre o que é legal e o que é ilegal neste País.

J.R. Guzzo, jornalista - O Estado de S. Paulo