Puxada pelos preços da comida, a inflação dos mais pobres está mais alta
que a dos brasileiros de outras classes de renda. Não se trata só de
números, mas de drama vivido no dia a dia. Quem ganha pouco usa uma
parcela maior de seus ganhos para comer e para alimentar a família.
Pouco sobra, quando sobra, para outras despesas, como saúde, habitação,
vestuário e transporte. Quando se levam em conta esses dados, fica mais claro o desastre
provocado pela crise econômica dos últimos anos. Segundo o Banco
Mundial, entre 2014 e 2017 mais 7,3 milhões de brasileiros caíram na
pobreza e passaram a viver com renda mensal de até US$ 5,50 por dia,
algo equivalente, pelo câmbio atual, a cerca de R$ 635 por mês. Com a
economia fraca e ainda travada por muitas incertezas, há pouca esperança
de retorno em um ano ou dois ao nível de atividade, já baixo, de 2014.
Pelas contas do Banco Mundial, o grupo dos pobres cresceu de 17,9% para
21% da população brasileira nos anos de crise. Se a porcentagem se tiver
mantido, corresponde hoje a uns 43,9 milhões de indivíduos. A
experiência dessas pessoas teria sido mais penosa, nos últimos anos, se
os preços da comida tivessem crescido mais rapidamente. Mas nem o
conforto dos preços estáveis e do consumo acessível se mantém neste
início de ano. Más condições de tempo comprometeram a produção de vários itens, e o custo da alimentação deu um salto razoável.
Os efeitos são bem visíveis nos cálculos da inflação enfrentada pelas
famílias de baixa renda. Os últimos dados são os do Índice de Preços ao
Consumidor – Classe 1 (IPC-C1), elaborado pela Fundação Getúlio Vargas
(FGV). Esse indicador, baseado no orçamento das famílias com renda
mensal de 1 a 2,5 salários mínimos, subiu 0,49% em fevereiro, 0,67% em
março, 1,77% no ano e 5,42% em 12 meses.
O indicador dos pobres deixou para trás, com essa disparada, o
tradicional e mais amplo Índice de Preços ao Consumidor (IPC), referente
aos gastos médios de famílias com ganhos mensais entre 1 e 33 salários
mínimos. O IPC aumentou 0,35% em fevereiro, 0,65% em março e 4,88% em 12
meses. Durante um longo período, as posições tinham sido diferentes,
com as famílias de baixa renda enfrentando uma inflação mais suave e um
pouco menos penosa para consumidores com orçamento mensal muito
estreito.
Segundo a FGV, o custo da alimentação para as famílias de baixa renda
subiu 7,93% nos 12 meses terminados em março. Foi, de longe, o
combustível mais importante da inflação de 5,42% suportada pelas
famílias com renda mensal de até 2,5 salários mínimos. Itens como
habitação (5,40%), transportes (4,76%) e saúde e cuidados pessoais
(4,07%) também pressionaram o orçamento dessas famílias, mas com peso
menor que o dos alimentos.
Em março, o custo da comida, com alta de 1,23%, foi de novo o principal
fator inflacionário para os consumidores pobres. Os transportes ficaram
1,27% mais caros e também afetaram severamente a qualidade de vida, mas
com impacto menor que da alimentação. Com crescimento de apenas 1,1% em cada um dos últimos dois anos, a
economia brasileira criou poucas oportunidades para redução do
desemprego. O Brasil começou 2019 com cerca de 13 milhões de
desempregados e alguma esperança de melhora já no primeiro ano do novo
governo. O Banco Mundial ainda estima para o Brasil um crescimento
econômico de 2,2% neste ano e de 2,5% em 2020. Economistas brasileiros
têm mostrado menor otimismo. O Banco Central e o Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea) atualmente estimam expansão de 2% para o
Produto Interno Bruto (PIB) em 2019. No mercado, a mediana das projeções
caiu para 1,98% na semana passada.
Reduzir a incerteza de empresários e consumidores deve ser o passo
inicial para reanimar os negócios e gerar empregos – inicial, apenas,
mas indispensável. Não se trata de melhorar números abstratos. Reverter o
aumento da pobreza ocorrido nos últimos anos deve ser só o começo de um
trabalho muito mais amplo. Nem todos os tuítes do mundo bastarão para
realizá-lo.