Reforma da Previdência está atolada na CCJ. Governo comete erros em sequência e se mostra incapaz de organizar forças
A confusão de ontem na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) era
esperada. Como o ministro da Economia, Paulo Guedes, comunicou algumas
horas antes que não iria e mandaria representante, evidentemente haveria
reação. Com isso, atrasou-se mais um pouco a tramitação do projeto da
Previdência. Todo o episódio mostra o grau de descoordenação do governo.
E como se não fosse confusão suficiente, um dia depois de desprestigiar
a Câmara, Guedes confirmou a ida hoje ao Senado. No fim do dia, a
Câmara manda um recado forte à equipe econômica ao aprovar a emenda do
Orçamento impositivo, que é o oposto do que o Ministério da Economia
quer fazer.
A tramitação começa na Câmara, então o lógico é que fosse lá o primeiro
comparecimento do ministro. Mas ele vai é ao Senado. A CCJ era
considerada a etapa mais fácil. A ser queimada rapidamente. A discussão é
apenas para admissibilidade da proposta e exige cinco sessões em
plenário. O projeto de Temer ficou uma semana na CCJ. Foi recebido no
dia 7 de dezembro e aprovado na madrugada do dia 15. O atual chegou na
CCJ no dia 22 de fevereiro, mas só no dia 13 de março foi instalada a
Comissão e ainda nem teve seu relator indicado. Senão há relator, não há
parecer e nada está valendo ainda, um mês e 5 dias depois. A reforma da
Previdência de Bolsonaro está na verdade atolada na CCJ, comissão que
ontem foi palco da briga que impediu o secretário Rogério Marinho de
falar.
Depois de passar lá é que vem a etapa difícil, o debate do projeto em si
na Comissão Especial. Na PEC 287, houve um período de três meses entre a
instalação dessa Comissão, que aconteceu depois do recesso, até a
aprovação do substitutivo do deputado Arthur Maia (DEM-BA), no dia 9 de
maio de 2017. Poucos dias depois, no dia 17, a divulgação das gravações
do empresário Joesley Batista com o então presidente fez aquele governo
perder o rumo e o projeto. Desta vez, o que se tem é uma administração no seu início, que tinha
muito mais chances de andamento rápido do projeto. Mas o governo comete
erros seguidos e se mostra incapaz de organizar as forças, mesmo dentro
do seu próprio partido. O que houve ontem foi prova de “desarrumação e
fragilidade” do governo, segundo o comentário de parlamentar que tende a
votar a favor da reforma. O fato de não se conseguir um deputado que
aceite relatar a admissibilidade da PEC é péssimo sinal.
A instalação da Comissão Especial é sempre difícil, os debates exigirão
uma base coesa e congressistas dispostos a defender as propostas, além
de maioria para aprovação. O problema é que o fogo amigo tem imperado
até agora nesta massa disforme que pode vir a ser a base parlamentar. Quanto tempo vai demorar a tramitação dessa proposta ninguém sabe, mas
será preciso instalar a Comissão Especial e iniciar a discussão assim
que passar na CCJ. A avaliação de especialistas é que pode demorar na
Comissão Especial mais tempo do que a reforma do governo anterior porque
é mais complexa. O que torna mais difícil aprovar neste semestre.
O manifesto dos 13 partidos que ontem apoiaram a reforma deixou claro os
pontos dos quais discordam. Isso mostra no que o governo terá que
ceder. Primeiro, a mudança no Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Esse ponto o governo já sabe que terá que entregar. A dúvida é porque
incluiu um item que facilmente seria atacado por todos, enfraquecendo o
apoio ao projeto. Afinal, para ter direito ao BPC hoje a pessoa precisa
ter 65 anos e estar em condições de “miserabilidade”. O segundo ponto é
o da aposentadoria rural. E o terceiro é mais complicado. É o da
desconstitucionalização, que o governo acha importante e quer defender,
mas que será muito difícil aprovar.
O recado ontem à noite pela Câmara, ao aprovar o Orçamento impositivo,
já é um aviso contra a outra reforma pré-anunciada, da desvinculação.
Além disso, um alerta de que sem se organizara base, o governo será
surpreendido o tempo todo.Na verdade, o que o governo Bolsonaro deveria ter feito desde o começo,
na avaliação de quem entende de tramitação e torce pela reforma, é
aprovado o projeto que já tinha passado por todas estas etapas. Bastava
uma emenda aglutinativa em plenário. Se isso estivesse aprovado, outras
mudanças mais profundas poderiam ser apresentadas depois. O que fez o
governo querer começar do zero foi só a vaidade de ter uma reforma para
chamar de sua. Isso está levando o país a perder tempo. Muito tempo.