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domingo, 6 de maio de 2018

Ocupações criminosas - as máfias que exploram os sem-teto e o risco de novas tragédias em prédios invadidos

Descaso, desespero e oportunismo

Tragédia em prédio no centro de São Paulo expõe a situação precária de milhares de pessoas sem moradia, atesta fracasso do poder público na proteção dos cidadãos e revela o submundo das máfias que fazem das ocupações um negócio lucrativo

Cães farejadores localizaram na sexta-feira 4 o primeiro corpo sob o escombros do edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, no centro de São Paulo, que desabou por causa de um incêndio na madrugada de 1º de maio. As buscas por vítimas soterradas na tragédia são apenas uma das inúmeras consequências de um desastre que expôs as fissuras de um sistema falho em muitos aspectos. Além de exibir um erro geral de controle de segurança sobre uma ocupação de sem-teto que sequer deveria existir naquele local, a queda do edifício trouxe à tona o descaso das autoridades diante do grave problema da falta de moradia na cidade de São Paulo, metrópole onde milhares de pessoas vivem em situação de abandono em dezenas de imóveis ocupados. Havia motivos de sobra para evacuar o prédio ou fazê-lo passar por uma completa revisão de segurança há pelo menos um ano. A Prefeitura, os bombeiros e os órgãos fiscalizadores sabiam disso. 

Antes que a poeira baixasse sobre os escombros que engoliram no mínimo seis pessoas e deixaram outras 372 sem abrigo — incluindo cerca de 40 crianças e adolescentes —, veio à tona também uma estrutura de negócio que acompanha algumas ocupações na qual se cobra para oferecer muito pouco em troca. Paga-se para viver em extrema precariedade, sem qualquer proteção e sob o evidente risco de morte.  As famílias ocupantes dos “apartamentos” do prédio, localizado no Largo do Paissandu, um dos pontos mais movimentados da cidade, pagavam uma taxa que variava de R$ 160 a R$ 400, de acordo com as condições de cada um. Pela média, eram arrecadados ao menos R$ 30 mil por mês dos moradores, na maioria trabalhadores informais que atuam como vendedores ambulantes, balconistas, carroceiros e na faxina de prédios e do comércio da região. O objetivo da coordenação do Movimento Luta por Moradia Digna (MLMD), um dos diversos que atuam na cidade, seria manter uma portaria em funcionamento, pagar taxas de luz, água e os custos dos advogados que atendiam à ocupação do Wilton Paes de Almeida. Era uma conta salgada e sem contrapartida. 


Seu coordenador, Ricardo Luciano Lima, já aplicou calote no pagamento de tarifas públicas. Mesmo cobrando taxas de R$ 300 por quarto em um prédio invadido no Largo do Belém, em 2016, ele foi denunciado por ligações clandestinas de água e acabou condenado em primeira instância a um ano e dois meses de reclusão em regime semi-aberto. Lima não vive no prédio, mas em outra ocupação na Zona Leste. “Ninguém paga aluguel. É tudo para manutenção. Aqui não tem milionário”, diz ele. Eventuais atrasos no pagamento das taxas não eram tolerados por mais de três ou quatro dias até “ordens de despejo” fossem executadas. Quem era removido tinha seus poucos pertences jogados na calçada.

O valor mais alto cobrada no prédio estava além do dobro de ocupações mais estruturadas, como as da Rua Mauá e da Av. Prestes Maia, as maiores da cidade — juntas, elas abrigam 3 mil pessoas. Organizados, nestes locais há extintores em todos os andares e grupos encarregados da limpeza e manutenção. Algo bem diferente do Largo do Paissandu, onde o lixo se acumulava no poço do elevador — o que ajudou a propagar as chamas que, ao atingir temperaturas superiores a 600º C comprometeram a resistência das estruturas metálicas, que suportaram por cerca de uma hora e meia, antes de ruírem. Dois prédios vizinhos foram atingidos e correm o risco de cair. A primeira igreja luterana de São Paulo, erguida em 1908, foi destruída. Restaram apenas o altar e a torre, que também está condenada. 

O chocante desmoronamento do edifício em chamas foi acompanhado de uma cena dolorosa: as imagens do morador Ricardo Pinheiro, filmado tombando junto com o prédio no momento em que seria içado por uma corda lançada pelos bombeiros. Moradores contaram que Tatuagem, como era conhecido, ajudou a tirar crianças do local. Os bombeiros acreditam ser de Ricardo o primeiro corpo resgatado. Além dele, podem estar sob as lajes Selma Almeida Silva e seus filhos gêmeos, Wendel e Werner, de 9 anos. Também está desaparecido o casal Eva Barbosa Silveira e Walmir Souza Santos, que ocupava uma área no 8° andar do prédio.

A evacuação rápida e a pronta ação dos bombeiros salvaram vidas. A manicure Michele de Oliveira Silva, de 35 anos, morava com o marido e a filha no quinto andar — local onde o fogo começou — e afirma que os acontecimentos foram muito rápidos. Segurando uma boneca nos braços, ela lembra de cenas da tragédia. “Eu ouvi ‘pum’ e aí todo mundo começou a gritar ‘tá pegando fogo’”, afirma. Depois disso, Michele diz que as pessoas começaram a correr e as chamas passaram a consumir a fiação do prédio. Durante a fuga, a manicure afirma que o marido dela teve que quebrar uma porta que estava trancada com cadeado e que os vidros da fachada do prédio começaram a quebrar por causa do calor. Porém, a angústia dela não acabou quando finalmente conseguiu descer as escadas com a família e chegar até a rua. “Quando descemos, meu marido voltou para pegar a roupa e fiquei preocupada. Eu falei ‘já morreu’. Mas depois ele desceu vivo, graças a Deus”, afirma a mulher fechando os olhos e levando a mão ao coração. 

Depois de passar pelo trauma, Michele perdeu roupas, documentos e outros objetos pessoais. “Fiquei na rua aqui. Estão ajudando a gente dando alimento e roupa”, mas mesmo com a solidariedade das pessoas, ela não sabe ao certo qual será seu futuro. A única coisa que ela afirma ter certeza é que não quer ir para um albergue: “Lá é ruim. Eles roubam as coisas da gente. Eu já morei em albergue e quando a gente volta do trabalho, não tem mais nada.”

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... edifício inadequado até para quem não tem onde viver. Por isso estava em poder do MLMD desde 2010. Dois integrantes de movimentos sociais afirmaram, sob condição de anonimato, que o nível de organização desse movimento é mínimo. Ele não participa ativamente das reuniões com os órgãos de habitação. “O que não adianta é culpar as vítimas. Nós queremos que se façam vistorias nos prédios ocupados e que eles sejam transformados em moradias definitivas”, afirma Benedito Roberto Barbosa, advogado da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo (UMM). “Não se pode criminalizar as ocupações e transformar vítimas em culpados”.  


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Proprietário do edifício, a União solicitou que a Polícia Federal também atue no caso. Outra frente de investigação tenta vasculhar possíveis vínculos de algumas ocupações com o Primeiro Comando da Capital (PCC). Prédios ocupados são territórios quase inexpugnáveis para a polícia e, eventualmente, servem de esconderijo para drogas e armas. Em 2016, o Departamento Estadual de Repressão ao Narcotráfico (Denarc) desbaratou uma quadrilha ligada ao PCC sob a fachada do Movimento Sem Teto de São Paulo (MSTS), que ocupava o Cine Marrocos, no Centro. Vinte e oito pessoas foram presas.

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