Guilherme Fiuza
Grã-Bretanha quase totalmente fechada, Suécia quase totalmente aberta. Quem tem mais vítimas do coronavírus por milhão de habitantes? Grã-Bretanha. Por mais que os pregadores do lockdown fechem os olhos, a realidade já escreveu com todas as letras, em diversas situações e perspectivas, que não há garantia científica sobre a eficácia do isolamento total de populações no combate à pandemia. O problema é que, nesses tempos estranhos, ciência virou codinome de crença.
No Brasil, o Supremo Tribunal Federal determinou que a autoridade sobre os direitos constitucionais de ir e vir da população passassem aos governadores – sob o argumento de que estão mais próximos das realidades locais. O que se deu você sabe: um festival de arroubos autoritários em todo o território nacional, com milhares de cidades sem um único caso de Covid e tudo trancado. A razão para colocar a liberdade do cidadão, um valor constitucional basilar, na mira da caneta de qualquer tiranete foi o princípio “científico” de que prender todo mundo em casa seria uma medida segura contra a ameaça letal do vírus.
Esse princípio, conforme demonstrado acima, está derrubado como garantia. O que foi apresentado como diretriz científica segura era, e continua sendo, só uma hipótese. E essa hipótese tem sido frustrada pela realidade em diversas experiências, como a do estado de Nova York, o mais atingido dos EUA pela epidemia – onde o lockdown não impediu que a maioria dos infectados internados na rede hospitalar fosse proveniente de casa. O governador Andrew Cuomo não pôs a culpa disso na parcela da população que precisou continuar circulando – até porque o índice de contágio desse grupo ficou muito abaixo do esperado.
A Organização Mundial da Saúde já havia alertado para o avanço das frentes de contágio dentro das residências. E diante de tudo isso, a maioria dos governadores e prefeitos brasileiros manteve altos índices de bloqueio das atividades sociais e econômicas, usando a caneta mágica que os aloprados do STF lhes deram. As empresas começaram a ficar sem oxigênio e passaram a quebrar – às centenas, aos milhares, às centenas de milhares. O lockdown arbitrário e sem comprovação científica está provocando – como era óbvio – uma tragédia social, econômica e trabalhista. De quem é a culpa?
Do Bolsonaro. Acredite se puder: a ruína financeira dos desempregados está sendo atribuída por gente do Judiciário, do Ministério Público, dos governos locais e também da imprensa a uma frase (!) do presidente da República – que, aliás, é contra o lockdown total. Bolsonaro citou um artigo da CLT que envolve na responsabilidade de indenização trabalhista os governos locais – se eles tiverem tido responsabilidade sobre o fechamento da empresa.
Em primeiro lugar, a lei está lá. Quem vai determinar como ela será cumprida é a Justiça – já que o STF não deu uma caneta mágica ao presidente para brincar de juiz, como deu aos governadores para brincarem de presidente. E se governadores e prefeitos quiserem provar que não tiveram responsabilidade direta no fechamento das empresas que impediram de funcionar, terão que mostrar a equação científica comprovando o lockdown como medida inescapável de saúde pública.
Como essa equação não existe, vão ter que pagar. A má notícia é que essa conta não será a mais cara. O país viverá anos de perdas sociais e humanas – e essa conta também será apresentada aos devidos responsáveis. Ela será bem mais obscena que a da epidemia.
Guilherme Fiuza, colunista - Vozes - Gazeta do Povo
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sábado, 23 de maio de 2020
A conta dos tiranetes vai chegar - Gazeta do Povo
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