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terça-feira, 31 de outubro de 2017

A farsa em marcha

Como dizia aquele alemão barbudo (como o ex-ministro do STF Eros Grau se referiu a Marx certa vez), a História se repete como farsa. Caminhamos para uma eleição presidencial tão radicalizada quanto a de 1989, a primeira direta após o regime militar, que terminou em tragédia, com o impeachment de Collor. Só que com tons e nuances diferentes.

A esquerda tinha dois representantes naquela ocasião, o líder metalúrgico Lula e o líder trabalhista Brizola, que disputaram voto a voto a ida para o segundo turno contra o representante da centro-direita, Collor de Mello. Populismo de direita contra populismo de esquerda.  Lula derrotou Brizola por 0,67% e foi para o segundo turno contra Collor, e mais tarde admitiu que, naquele momento, não estava preparado para ser presidente da República. Foi em Divinópolis, na campanha de 2010, para eleger Dilma, que ele disse que agradecia por ter perdido a eleição presidencial de 1989, porque era “muito mais radical” e poderia cometer erros no governo.

“Hoje eu agradeço a Deus por não ter ganhado em 1989, porque eu era muito novo, muito mais radical do que eu era em 2002 e, portanto, eu poderia ter feito bobagem. Não bobagem porque eu quisesse fazer, mas pela impetuosidade, pela pressa de fazer as coisas.” Hoje, tão radical quanto era em 1989, longe daquele Lula que escreveu a carta aos brasileiros em 2002 para dirimir as dúvidas do mercado financeiro e da classe média sobre seu radicalismo, considera-se preparado para voltar à presidência que exerceu entre 2003 e 2010, e a lembrança daquele tempo está viva na memória de cerca de 35% dos eleitores, segundo a mais recente pesquisa do Ibope.

Mas a memória dos supostos bons tempos é traiçoeira, pois foi ao abandonar o equilíbrio fiscal dos primeiros anos e as reformas estruturais como a da Previdência, que iniciou assim que eleito, mas abandonou para não entrar em choque com as corporações que o apoiavam, que Lula deu início a esta crise econômica que se exacerbou a partir de 2010 com um crescimento artificial de 7,5% do PIB para eleger sua sucessora.  Dilma aprofundou o que chamaram de nova matriz econômica, que nos levou à maior recessão de nossa História, e, ao tentar remendar o estrago que havia feito reequilibrando os gastos públicos, traiu seu eleitorado, na opinião de Lula.

Temos então em 2018 um Lula, que, se não for impedido de disputar pela Justiça, pretende adotar a política radical que em 1989 o fazia despreparado para a Presidência, e Ciro Gomes na versão pedetista na disputa pela esquerda, [sempre perdedor nato]  e Jair Bolsonaro, um populista de direita, muito menos preparado do que aquele Collor de Mello que surgiu em 1989. [o presidente da República não tem condições de saber de tudo e sobre tudo, não pode nem deve pensar que sabe e pode, e deve, escolher assessores competentes - cabendo a ele apenas exigir dos auxiliares que estejam afinados com os principios inarredáveis do seu Governo.]

Pela radicalização que domina o cenário, é previsível que figuras da política tradicional como o governador Geraldo Alckmin, com seu espírito moderado, tenham tantas chances quanto tiveram em 1989 figuras como Ulysses Guimarães, Aureliano Chaves, Mário Covas, que foram abandonados pelo eleitorado.  Com uma diferença crucial hoje: em 1989, os políticos tradicionais, muitos retornados do exílio, tinham um peso considerável, embora os dois que foram para o segundo turno, Collor e Lula, fossem figuras relativamente novas no cenário nacional. Hoje, soma-se à radicalização o desgaste da classe política. Quem consegue se diferenciar nesse ambiente corrompido, como Marina e Bolsonaro, que, em espectros políticos opostos, não estão envolvidos em denúncias, tem chances.

Até mesmo um presidente impopular como Sarney em 1989 temos em Temer hoje, que sem dúvida será alvo dos maiores ataques, como, naquela ocasião, Sarney serviu de saco de pancadas para Collor e Lula. E para dar um toque especial à repetição, surge por fora a candidatura de Luciano Huck, assim como em 1989 Silvio Santos surgiu do nada para atropelar os favoritos. Pela agressividade, pode ser que o prefeito João Doria tenha espaço como anti-Lula, apesar do prejuízo que a comparação com o Collor de 1989 possa lhe trazer.

Embora fosse muitas vezes mais popular do que hoje é Luciano Huck, este, além de popular o suficiente, tem muito mais preparo e uma rede de contatos que pode viabilizar um programa de governo com substância. Não se sabe o que aconteceria se a Justiça Eleitoral não tivesse impedido o registro da candidatura de Silvio Santos. Saberemos mais adiante se Huck será mesmo candidato, e que candidato será. [não será, felizmente; e se fosse perderia feio. Ele é uma mistura piorada de Silvio Santos, Ratinho, Danile Gentile e similares.]

Fonte: Merval Pereira - O Globo