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quarta-feira, 1 de junho de 2016

Valentia, só para demitir o garçom

O governo de Temer atira rápido para baixo, mas tenta ser compreensivo quando lida com o andar de cima

O ministro da Transparência, doutor Fabiano Silveira, desafiou a lei da gravidade durante cerca de 18 horas. Afinal, ele chegara ao cargo por sugestão do senador Renan Calheiros. Com Romero Jucá, aconteceu coisa parecida. Ele se segurou no cargo de ministro do Planejamento por quase oito horas. Nos dois casos, o presidente Temer transformou uma solução (a rápida dispensa), num problema (a demora com o “por enquanto”).

O atual governo só se mostrou rápido e implacável com José da Silva Catalão, um garçom de 52 anos que trabalhava no quarto andar do Palácio do Planalto. Ele servira a Lula e Dilma Rousseff e foi demitido no primeiro dia de expediente integral de Michel Temer. Pediu para ser poupado, pois bastava que o transferissem para outra copa, qualquer copa. Nada feito, rua.

Catalão nunca conversou com Sérgio Machado, não está em grampo algum. Nunca foi investigado por coisa alguma. Antes de trabalhar no Planalto como contratado, fora paraquedista. Distinguia-se por ser divertido num palácio contaminado pelo mau humor. Com a ida do comissariado para o Alvorada, foram mandados embora dezenas de pequenos funcionários. A demissão sumária e inapelável do garçom Catalão foi justificada porque um segurança teria visto quando ele tuitava informações para Lula. A cena é inverossímil e cheira a fofoca palaciana. De qualquer forma, Catalão usa um celular primitivo, burro.

Dias antes da demissão do garçom, Henrique Alves assumiu o Ministério do Turismo e Romero Jucá, o do Planejamento. A Procuradoria-Geral da República pediu inquérito sobre Alves e Jucá está sendo investigado junto ao Supremo Tribunal Federal. Dias depois, Jucá foi derrubado pelo grampo de seu colega Sérgio Machado. Assumiu o secretário-executivo, freguês da Operação Zelotes.

A degola de Catalão, contraposta à lentidão que amparou Jucá e Silveira, ilustra uma questão de fundo. O atual governo pratica uma benevolência seletiva. Busca uma maioria parlamentar à custa de obsequiosos silêncios em relação ao deputado Eduardo Cunha e ao seu pitoresco substituto, entre muitos. Waldir Maranhão é o primeiro presidente da história da Câmara que evita presidir sessões. Tudo isso em nome da preservação de uma maioria parlamentar.

Aceitando-se a versão benigna dos governantes, essa maioria é como as salsichas, e não se deve perguntar como elas são feitas. Tudo bem, mas esse era o argumento do comissariado petista no mensalão e no saque aos cofres da Petrobras. Admita-se que a maioria de Temer tornou-se angelical ao excluir os petistas. Sobram o PMDB, presidido por Romero Jucá, o PP e outros santos menores. O presidente que ameaçou formar um ministério de notáveis perdeu os titulares do Planejamento e da Transparência porque grampos transparentes expuseram tramas planejadas.

Em 2003, quando Lula foi para o Alvorada, instalou camareiros de sua confiança no palácio. Fernando Henrique Cardoso havia preservado a equipe doméstica de Itamar Franco e, ao saber dessa mudança aparentemente trivial, comentou: “Quando você se entrega ao partido de tal forma, acaba em confusão. O problema não é o Lula dar certo. É o que vai acontecer com o país quando ele se der conta de que está dando errado.” Demorou, mas deu no que deu.

Fonte: O Globo - Elio Gaspari é jornalista