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sábado, 21 de março de 2020

O PIB desaba e o governo erra - Míriam Leitão

O Globo - Alvaro Gribel e Marcelo Loureiro 

Governo reduziu o crescimento para zero, mas está atrasado. O país terá PIB negativo e a recessão será menor, a depender da rapidez do governo

Apenas nove dias depois de ter revisto o crescimento do PIB para 2,1%, o Ministério da Economia fez nova revisão para zero. Isso mostra a rapidez dos acontecimentos e a lentidão das projeções do próprio governo. O número 0,02%, desenhado assim para não entrar no negativo, será sem dúvida revisto novamente. O país está entrando em recessão e o ano de 2020 terminará com o encolhimento do PIB. A torcida é para que haja capacidade de mitigar a queda.

Essa revisão para 0,02% significa que pelo menos R$ 70 bilhões de receita não entrarão nos cofres públicos. Ao mesmo tempo o Tesouro precisará gastar muito mais, num valor que ainda não foi quantificado. Mas se, por hipótese, numa projeção otimista, ele tiver uma despesa extra de 1% do PIB para enfrentar a crise, o déficit que estava previsto em R$ 124 bilhões vai superar R$ 260 bilhões. O mais urgente agora é evitar o colapso do sistema de saúde, e proteger todo um vasto contingente de brasileiros que está ficando sem capacidade de geração de renda.

[Lembrando o ululante: 
A previsão de um déficit de R$ 124.000.000.000,00 era sem o coronavírus.
Agora, com o coronavírus, é natural e inevitável que o déficit aumente - atualmente está estimado em 200 bilhões de reais, sendo possível elevação, que depende da demora na normalização.
A maioria dos economistas preveem  um custo global superior a US$ 3.000.000.000,00 - assim uma queda da receita da ordem de R$ 70 bilhões, está dentro do razoável.
A magnitude da crise é de tal ordem que não se descarta a queda no desenvolvimento do carro elétrico, devido à possibilidade do barril de petróleo não ultrapassar os US$ 35.
Com ou sem Bolsonaro, a queda do PIB, por efeito coronavírus, é inevitável.
A queda ocorrerá ele chamando o coronavírus de gripezinha ou gripona, e considerando uma possível mudança na prioridade do preservação do meio ambiente de efeito coronavírus, efeito pirralha ou fedelha.

O presidente Bolsonaro continuou errando ontem. No mundo os governos tomam medidas cada vez mais duras e ele usou ontem a palavra “gripezinha” para definir o coronavírus e de novo brigou com governadores. Não faz sentido que numa crise deste tamanho o presidente da República se preocupe com picuinhas ou entre em competição com os líderes dos entes subnacionais, que tenham que escrever cartas ao presidente. Bolsonaro deveria estar liderando, deveria estar desobstruindo os canais de diálogo, deveria ter entendido o que o mundo inteiro está dizendo: estamos diante de uma crise sem precedentes.

Se já não bastassem os problemas que não resolve, ainda há os que a família do presidente cria, como esta extemporânea crise com a China inventada pelo deputado Eduardo Bolsonaro, pela incontinência verbal que todos eles têm na rede social. A China é destino de R$ 65 bilhões das nossas exportações, é origem de R$ 35 bilhões de importações, é o país com quem o Ministério da Saúde estava negociando o fornecimento de equipamentos médicos e hospitalares fundamentais nesse momento. E o ministro das Relações Exteriores ainda ecoou o deputado para deixar mais uma vez clara a subserviência do outrora competente Itamaraty a um parlamentar sem a qualificação mínima para a diplomacia.

No mercado financeiro, todos os bancos e as consultorias estão nesse momento revendo seus modelos e divulgando números cada vez mais negativos. Ontem, o Itaú fez uma forte revisão do cenário. A projeção de crescimento saiu de 1,8% para uma queda de 0,7%. Mas com raras exceções, o mercado subestimou a crise. O Bradesco no dia 10 divulgou uma projeção para o PIB de 2%. Oito dias depois, disse que talvez fosse menor. Mas não tem novo número. O Itaú está prevendo uma recuperação rápida no ano que vem. Ele revisou a projeção de 2021 de 3,3% para 5,5%, num cenário de que a crise seria forte, mas passageira.

O economista Márcio Garcia prefere fugir dos números e dizer uma frase, numa entrevista à coluna, que define melhor esse momento do que os modelos dos bancos. Se alguém souber o que está acontecendo ou é desinformado ou está delirando.

Na entrevista que me concedeu, Armínio Fraga foi taxativo em falar, antes que o governo admitisse pedir isso, que deveria ser utilizada a possibilidade da Lei de Responsabilidade Fiscal de decretar estado de calamidade. Em conversa esta semana com a economista Monica de Bolle, do Peterson Institute, ela me disse que a recessão está dada, e que agora é necessário evitar a depressão. Na entrevista que concedeu ao “Valor”, o economista Ricardo Paes de Barros disse o seguinte: “esquece o teto de gastos, numa crise como essa, o teto é uma piada”. Em outra parte de sua excelente entrevista a Bruno Villas Bôas, ele avisou: “não podemos pensar que essa é uma pequena crise que vai passar rápido. Em certo sentido é como se estivéssemos entrando em uma grande guerra”.

Como a curva do crescimento dos infectados pelo coronavírus, a da crise econômica pode ser atenuada dependendo da rapidez da resposta. [o que torna qualquer prognóstico, contra ou a favor, antes do término da crise,precipitado.] E não basta uma live com a Fiesp. A qualidade da resposta depende da compreensão da gravidade do problema. O mais assustador é que os cadastros do governo não têm registro de todas as famílias que precisarão do socorro do Estado.

Blog da Míriam Leitão, jornalista - O Globo