E
a razão é simples: quem se opôs ao impeachment alegando a defesa de benefícios sociais está
ancorado numa mentira — eles acabariam com Temer — e
numa fraude moral: sua existência justifica o crime
O que é a esquerda
brasileira? Um
cargo na mão e muitas ideias de jerico na cabeça. A Câmara dos Deputados aplicou neste
domingo uma surra histórica em Luiz
Inácio Lula da Silva: por 367 votos a 137,
autorizou o Senado a abrir o processo de impeachment contra a presidente Dilma
Rousseff. Ah, sim: ela também apanhou. Afinal, será a impichada.
Mas vamos ser claros: esta senhora é mera
personagem incidental de uma farsa. Está lá como instrumento de uma máquina
de gerar mistificações e renda para o partido e seus apaniguados. Não que ela
desconheça o nome do que pratica. Não
cometeu um, insisto, mas ao menos sete crimes de responsabilidade, devidamente caracterizados no Artigo 85 da
Constituição. Sigamos.
O Congresso é o que
é. Nem todos têm, e não
pretendo advertir que isto é uma ironia, a envergadura
teórica de uma Jandira Feghali (PCdoB-RJ); a honestidade intelectual de uma Maria do
Rosário (PT-RS); a biografia recheada de
muitos valores de um José Guimarães (PT-CE); a fineza argumentativa e certeira de um
Jean Wyllys (PSOL-RJ); a capacidade de
antever o futuro de um Chico Alencar
(PSOL-RJ)… Nem todos podem arrostar com esses gigantes da moralidade, da ética,
da coerência e do amor ao povo, não é mesmo?
Chegam-me textos os mais diversos, todos com aquela marca
à esquerda, ironizando os parlamentares que votaram em favor do impeachment “em nome dos meus filhos, da minha mulher, do meu
marido, de Deus etc.”. Mais um pouco, metiam o papagaio no meio.
A deputada Raquel
Muniz (PSD-MG), por exemplo, disse “sim”
ao impeachment de Dilma também em homenagem à administração do marido, Ruy
Muniz (PSB-MG), que é prefeito de Montes Claros. O homem foi preso hoje pela
Polícia Federal, na Operação “Máscaras da
Sanidade II: Sabotadores da Saúde”. A PF tem se esmerado na poesia.
Vamos lá, admito: o Parlamento,
ultimamente, não é o melhor lugar para evocar o nome da mãe ou dos filhos. Melhor deixá-los longe
dali, muito especialmente daquela ala que frequenta à socapa o quarto de hotel onde Lula, o Fanfarrão decadente, despacha. Mas volto ao ponto.
Os esquerdistas acham
que esse negócio de evocar a família ou Deus é um sinal indisfarçável de
reacionarismo. Seria um sinal, na pena desses intelectuais de meia-tigela, de que o processo político está dando uma
perigosíssima guinada à direita… Bando de mistificadores e trapaceiros!
Começo por aí. Segundo o Datafolha, a Avenida Paulista
reuniu neste domingo 250 mil pessoas
— mais uma vez, uma das maiores manifestações da história no local. Em
contraste,
as esquerdas juntaram no Anhangabaú pouco mais de 40 mil.
A diferença de número é especialmente
relevante porque os que se vestiam de verde e amarelo são cidadãos comuns, que não pertencem a partidos, sindicatos,
ONGs, movimentos sociais. Não são, em suma, profissionais da causa. Os
governistas, como é sabido, são funcionários não apenas de uma ideia, mas
também da tal “máquina”. Adiante.
Já disse que prefiro
que a família e Deus não se misturem com a política — a não ser na
reafirmação de valores: aí, cada um na sua. São domínios distintos e prefiro
conservar essa distinção. Mas há que reconhecer uma coisa: quando alguém
evoca tais elementos, está atendendo a um chamamento que vem de fora, que vem
da comunidade, que vem da rua, que vem, sim, do próprio círculo familiar.
Se o sujeito se vê
compelido a fazer tal apelo, é porque há uma realidade que grita à sua volta: “impeachment!”; “fora Dilma!”; “com ela, não dá!”. Assim, ao fazer
aquele preâmbulo, o parlamentar não deixa de estar prestando contas à
comunidade: “Olhem aqui, quero deixar
claro que votei contra Dilma!”.
É de honestidade que vamos tratar aqui?
Vocês
prestaram atenção às justificativas de voto
das esquerdas e de alguns gatos-pingados que, vamos dizer assim, cederam
aos apelos que Lula fez em quarto de hotel? Estavam lá para votar “pelo
Bolsa Família”, “pelo ProUni”, “pelos milhões que saíram da pobreza” e
farsas afins. [quando
a esquerda faz menção aos ‘milhões que saíram da pobreza, não se refere a pessoas;
Se refere a dinheiro, reais, dólares que foram
tirados aos
milhões dos recursos destinados a redução da pobreza.]
Estavam lá, em suma,
para referendar a farsa de que um possível governo Michel Temer tem como
eixo principal, como objetivo, como desiderato mesmo, extinguir ou reduzir o alcance dos programas
sociais. Em seu pronunciamento nas redes sociais — aquele que não foi ao ar para
evitar o panelaço —, Dilma insistiu nisso que Michel Temer chamou de “mentira rasteira”. Reeditava, assim, a
campanha eleitoral de 2014.
Assim, por mais que eu recomende que os parlamentares mantenham Deus e a
família a uma prudente distância de um simples voto, é evidente que evocá-los
é muito mais honesto e menos trapaceiro do que votar contra o impeachment tendo
como alegação uma mentira. O Brasil terá
de passar por ajustes. Num eventual governo Michel Temer, eles serão
feitos, e se poderá evitar o abismo. Se
Dilma sobreviver, teremos apenas mais do mesmo e o caos como corolário
inevitável. Sendo assim, os que foram lá dar seu voto em nome da manutenção
dos programas sociais mentem sobre o presente e sobre o futuro.
E, obviamente,
trata-se de uma hipocrisia asquerosa: a esquerda busca, mais uma vez, um motivo nobre para justificar o crime,
como fez mundo e história afora. E, no caso brasileiro, com um pouco de
cor local, justifica também a mamata.
Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo