“No confronto inédito entre o Supremo e o Ministério Público, Toffoli era o homem mau e Aras, o mocinho. Todo apoio à Lava-Jato é uma ideia-força na sociedade, com viés jacobino”
O choque entre o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, e o procurador-geral da República, Augusto Aras, incendiou a conjuntura política, às vésperas do julgamento da polêmica liminar a favor do senador Flávio Bolsonaro (RJ), que sustou também cerca de 935 investigações policiais com base em dados do Coaf, obtidos sem autorização judicial, entre as quais a do famoso caso Queiroz, que investiga ligações do filho do presidente Jair Bolsonaro com as milícias do Rio de Janeiro.Toffoli foi para o pelourinho das redes sociais, sendo duramente questionado por uma decisão que muitos consideram um “abuso de poder” e que será examinada amanhã pelo plenário do Supremo. Na noite de ontem , Toffoli recuou e suspendeu a decisão que lhe dava acesso a informações financeiras de 600 mil pessoas. Em 25 de outubro, ele pediu a Receita Federal cópia de todos os Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) elaborados nos últimos três anos pela Unidade de Inteligência Financeira (UIF), antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). No entanto, no dia 15 deste mês ele recebeu uma chave de acesso para consultar 19 mil RIFs. O magistrado entendeu que os dados repassados são suficientes e não exigem análise do montante global de relatórios. Antes de anunciar a nova decisão, Toffoli se reuniu no STF com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, o procurador-geral da República, Augusto Aras, e o ministro-chefe da Advocacia-Geral da União, André Mendonça.
Ao confrontar Dias Toffoli, num movimento que consolida sua liderança interna no Ministério Público Federal (MPF), Aras ofusca a força-tarefa da Lava-Jato, mas gera mais tensão política no país. Escolhido por um “dedazo” do presidente Jair Bolsonaro, o procurador-geral não fazia parte da lista tríplice indicada pela corporação, após eleição interna. Sua nomeação foi muito contestada internamente, porém, teve amplo respaldo político no Congresso. Agora, o novo procurador-geral atua como quem quer demonstrar que não está à sombra de ninguém. De certa forma, ao se insurgir contra Toffoli, defende a revogação da decisão que blindou o filho do presidente da República. É um jogo pesado, que mobiliza a opinião pública, formadores de opinião e movimentos cívicos contra o presidente do Supremo, mas expõe também o flanco do clã Bolsonaro. [se o procurador-geral tivesse se curvado diante da tentativa imperial do presidente do STF, nada nem ninguém, estaria isento das supremas decisões do ministro e o confronto seria maior.
Óbvio que Bolsonaro seria malhado por ter escolhido um procurador-geral, digamos, leniente.
Mas, como ele reagiu e 'enquadrou' a arbitrariedade do presidente do Supremo - que já estava sendo pressionado por vários ministros do STF, a se conter dentro dos limites da legalidade, agora tentam associar o caso a uma decisão tomada em outro processo, que tem como interessado um filho do presidente da República.
Decisão esta que apesar de também proferida por Toffoli é cabível, já autorização judicial para terceiros acessarem informações sigilosas não é nenhuma arbitrariedade.
Esta se configura quando o Supremo ministro resolve ter acesso a documentos sigilosos e que não estão sendo discutidos na Corte Suprema.]
A decisão de Toffoli contrária ao pedido de Aras para que reconsiderasse a liminar, na sexta-feira passada, lançou luz sobre um assunto delicado para a força-tarefa da Lava-Jato, embora o ônus da questão esteja no colo do Supremo. O presidente da Corte pediu informaçoes sobre todos os agentes cadastrados na Receita Federal para obter os relatórios de operações atípicas, suas instituições de origem e as pessoas investigadas; também solicitou ao Ministério Público Federal que informasse, voluntariamente, quais os procuradores autorizados a requerer informações, os requerimentos feitos e as pessoas sob investigação sem autorização judicial. Ou seja, Toffoli quer cruzar esses dados e abrir uma caixa-preta dentro de outra-caixa preta. Virou um Deus nos acuda.
Guilhotina
Esse foi um confronto inédito entre o Supremo e o Ministério Público, no qual Toffoli aparecia como homem mau e Aras, como o mocinho. Todo apoio à Lava-Jato é uma ideia-força na sociedade, com viés jacobino, ou seja, que deseja as cabeças dos ministros do Supremo Tribunal Federal que querem enquadrar a força-tarefa de Curitiba, principalmente o presidente da Corte e os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes. Os três perderam a guerra de versões com o ministro da Justiça, Sérgio Moro, e os procuradores da República. Inclusive quanto à investigaçao em curso no Supremo sobre a suposta quebra de sigilo de ministros da Corte pela força-tarefa da Lava-Jato. Comandada pelo ministro Alexandre de Moraes, que está no olho do furacão, essa investigação é tão polêmica quanto a decisão de Toffoli, pois o Ministério Público Federal alega que essa competência é dos procuradores da República e dos delegados da Polícia Federal, e não dos ministros do Supremo.
Ontem, o Ministério Público Federal informou que 935 apurações estão paradas desde julho, quando Toffoli emitiu sua liminar, à espera de decisão do Supremo sobre o compartilhamento de dados entre órgãos de inteligência. O plenário deve decidir se o compartilhamento pode ser global (dados genéricos) ou detalhado (dados completos). São investigações sobre crimes contra a ordem tributária (446), lavagem de dinheiro (193), crimes contra o sistema financeiro (97) e sonegação de contribuição previdenciária (54). Há duas discussões sobre o assunto, ambas doutrinárias, ou seja, o direito constitucional de cada cidadão ter sua privacidade fiscal respeitada; e as competências de cada órgão no âmbito das investigações criminais.
Em tese, uma queda de braços entre o Supremo e o Ministério Público sobre as respectivas competências é uma não conformidade, pois o papel de poder moderador é do Supremo, a quem cabe dirimir dívidas sobre matéria constitucional. Quando o Ministério Público cresce dessa forma contra a Corte, esse poder moderador entra em xeque, o que não é nada bom para a democracia. Outra dimensão é o que está ocorrendo no Congresso, quando se discute o impeachment de ministros do Supremo e a CPI da Lava-Toga. Em teoria, a cúpula do Congresso está alinhada com o Supremo, mas política é como uma nuvem.
Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense