A Assembléia Legislativa do Estado do Rio começou ontem a debater o pacote de corte de gastos apresentado pelo governo, sob uma dupla ameaça. Uma, imediata, representada pela decisão da Justiça de bloquear a conta do Estado, em razão do não pagamento de uma dívida com a União no valor de R$ 170 milhões. A outra, mais longínqua, mas muito mais perigosa, é ver aumentar o risco de que a desordem que já assola as finanças locais migre para o campo da prestação de serviços públicos básicos.
A advertência está numa análise do economista José Roberto Afonso, que assessorou o governo do Estado do Rio na elaboração do pacote. Ele teme que “a desordem social poderá tornar inevitável a intervenção federal, que, no fundo, é como a falência de um governo acaba sendo decretada e equacionada à luz da vigente Constituição”. Se a União for forçada a decretar a intervenção, a responsabilidade formal dos atos de governo em um Estado sob intervenção passa a ser do governo federal. Nesse caso, se estourado limite de dívida e houver necessidade de demitir servidores, como se aproxima, será o interventor federal que o fará; se ficar inadimplente e o Tesouro for sequestrar o caixa do Estado, será sob gestão de um interventor federal.
José Roberto Afonso explica que, neste contexto, o perigo existe “se o pacote de austeridade não for compreendido e aprovado, ainda que com mudanças, que mantenham seu efeito financeiro”. Para tanto, diz ele, muito ajudaria se outros governos e Poderes também pudessem participar desse esforço de guerra, “até para evitar que a bomba caia nos seus colos”. Esta foi a segunda vez em que as contas do Estado foram bloqueadas pela Justiça nos últimos dias. O saldo do caixa de recursos ordinários na véspera da edição do pacote era “zero”, porque o pouco que lá ainda tinha foi arrestado pela Justiça.
Como explica o economista José Roberto Afonso, que é um dos autores da Lei de Responsabilidade Fiscal, o controle na boca do caixa, típico de crise e que anula a política fiscal, agora passou a ter sua última palavra dada pelo Judiciário, à revelia do Executivo.
“Além de tornar inócuos planejamento e orçamento, nem mesmo se consegue mais definir prioridades e se saber publicamente quem são os “felizardos” escolhidos para pular para frente na fila de milhares de fornecedores, e brevemente também de servidores, com contas a receber”.
A partir de agora, toda arrecadação que entrar na conta estadual vai direto para a União, até completar o valor devido. A Secretaria estadual de Fazenda mandou suspender todos os pagamentos do Estado a fornecedores e funcionários, e admitiu que está em risco o pagamento dos salários de servidores, que deveria ser efetuado em 16 de novembro.
Outra questão que dificulta uma solução menos drástica, argumenta José Roberto Afonso, é que o governo estadual não tem mais espaço para se financiar, e por isso em absolutamente nada adianta limitar a expansão futura de seus gastos, “até porque eles já foram cortados em termos reais nos últimos dois anos”. O pacote objetiva reduzir direta e expressivamente a despesa total, inclusive mirando especialmente o gasto com pessoal, ativo e inativo. Como o Estado excedeu o limite de dívida consolidada, de hora para outra, a Lei de Responsabilidade Fiscal exige que transforme um déficit primário atualizado de R$ 15 bilhões em superávit. “Poucos atentaram que é um ajuste muito mais duro do que quando se ultrapassa o limite da folha de pessoal”, explica José Roberto Afonso, que não tem dúvidas de que esse limite também será superado, “porque não há criatividade que resista a queda tão profunda e contínua da receita”.
Na Lei de Responsabilidade Fiscal havia uma previsão para que também o Governo Federal tivesse um limite para se endividar, mas esse dispositivo nunca entrou em vigor. “A União até hoje não se submete a qualquer limite para se endividar, e assim pode emitir medida provisória e dinheiro e, com isso, aumentar a meta de déficit primário”, comenta José Roberto Afonso. Na direção exatamente oposta, o Rio foi obrigado a adotar um pacote de austeridade, sem precedente recente na Federação brasileira, e que até pode servir de referência, comenta José Roberto Afonso. A crise financeira chegou a tal gravidade que tornou inócuos os atenuantes da Lei de Responsabilidade Fiscal, no caso de recessão e de calamidade.
Fonte: Merval Pereira
O Rio nas mãos de juízes de 1º grau
O governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, não fala do assunto em público, mas está irritado com a decisão de juízes de 1º grau de arrestar recursos da receita estadual para pagar seus próprios salários. Este será o tema que irá tratar com a presidente do STF, Cármen Lúcia, na audiência em que vão comparecer cerca de 15 governadores. Vai antecipar à presidente que recorrerá ao Supremo contra qualquer decisão contrária aos interesses do saneamento das contas do Rio.Pezão, segundo integrantes de sua equipe, pretende dizer que o Tribunal de Justiça e o Ministério Público estadual devem ser colocados sob suspeição por terem se colocado contra o pacote de austeridade antes mesmo de sua aprovação pela Assembleia Legislativa. Para Pezão, eles passaram a ser parte interessada e não instâncias judiciais independentes.
A expectativa do governo estadual é que entidades de funcionários de carreira do Executivo, Legislativo, Judiciário e aposentados entrem na Justiça contra as medidas do ajuste fiscal que os afetem. Para um assessor do governo, uma coisa é o Supremo tomar uma decisão, outra são juízes de 1ª instância. Ele comentou que juízes se sentem no direito até mesmo de se apoderar de recursos do Banco Mundial, concedidos por acordo internacional, com destino exclusivo para a despoluição da Baía da Guanabara.