Populismo em rede - Bolsonaro aposta tudo
Nele, o presidente Jair Bolsonaro tem se mostrado imbatível. Na última quinta-feira, movimentou o Facebook com uma enquete sobre como deveria agir quanto ao fundo eleitoral de R$ 2 bilhões proposto pelo seu governo e aprovado pelo Congresso. Vetar e correr o risco de um impeachment ou sancionar, provocou.
De duas, as duas. Mentiu ao delegar a escolha para a galera e tratou uma decisão presidencial como bacalhau que se joga na plateia. (Que o genial Chacrinha me perdoe pela citação.)
Ministros como Abraham Weintraub, da Educação, Damares Alves, da Mulher, Família e Direitos Humanos, e Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, parecem que se ocupam mais das redes do que das tarefas para as quais foram nomeados. Pelo volume de posts diários e lives semanais, que duram em média uma hora, o próprio presidente dá a entender que agradar fãs no Facebook e no Twitter é determinante. Importa mais que a governança, que o país. No primeiro ano de governo foi a temperatura nas redes que determinou as idas e vindas do presidente. Seja para amenizar o projeto original da Previdência ou adiar privatizações, voltar atrás na mudança da Embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém ou na indicação de seu filho Eduardo para a Embaixada dos Estados Unidos.
Antes de o ano virar voltou da Bahia para Brasília depois de ser duramente criticado no Facebook e no Twitter por preferir ver a chegada de 2020 longe da mulher e, pior, no momento em que ela passaria por uma cirurgia, mesmo sob alegação de risco zero. Erro fatal para quem se diz um feroz defensor da família sobre todas as coisas. Nem os fanáticos seguidores perdoaram. As redes servem ainda para a prática da tergiversação.
Serve ainda para testar a (im)popularidade de medidas como o retorno da CPMF, que espertamente Bolsonaro terceirizou para a equipe de Paulo Guedes. Aí o presidente chega ao cúmulo de conversar com o ministro no Planalto pela manhã e deixá-lo sem tapete depois do almoço no primeiro post da tarde.
Uma prática repetida amiúde com o ministro Sérgio Moro, desautorizado por diversas vezes em todas as mídias – ao vivo, gravado, em entrevistas distribuídas em atacado nas redes. Na seara de ser contestado publicamente pelo chefe ninguém suplanta Moro, o que, imaginam alguns dos fiéis do ex-juiz, poderá ser utilizado a favor de uma eventual candidatura dele à Presidência. Sonhos de 2022 que, diga-se, têm adeptos a rodo na mesma web em que Bolsonaro brilha.
Bolsonaro aposta tudo nas redes. Seu governo se dá por meio delas. Sua popularidade, ainda que tenha sofrido forte queda, se mantém por arrobas fiéis. Resta saber se o país se renderá à audiência digital e a plebiscitos populistas baratos.
Mary Zaidan é jornalista
Bolsonaro joga seus devotos contra o Congresso
[Bolsonaro demonstra boa vontade com o Congresso; quisesse queimar a imagem do Parlamento bastaria vetar e aguardar a derrubada do veto.
Conduta que poderia, se quisesse, ter praticado no pacote anticrime.]
O
presidente Jair Bolsonaro decidiu investir contra o Congresso por causa
de uma proposta de sua própria autoria. Em agosto passado, ao despachar
para o Congresso o Orçamento de União de 2020, ele reservou R$ 2,5
bilhões para financiar as campanhas dos partidos na próxima eleição
municipal. Eleição custa dinheiro.
No final de novembro, ele
reduziu para R$ 2 bilhões o valor do financiamento. O Congresso, que a
certa altura queria R$ 3,7 bilhões, aprovou o que Bolsonaro sugerira.
Desde então, sob a crítica implacável dos seus devotos contrários a
qualquer tipo de financiamento, Bolsonaro só tem feito se queixar.
Disse que o Congresso pôs
no colo dele uma bomba prestes a estourar (bomba armada por ele).
Depois disse que poderá sancionar o fundo de R$ 2 bilhões para não ser
alvo de impeachment. Ontem, apoiou uma campanha dos seus devotos para
que ninguém vote em candidato que se beneficie do fundo.
Cabe ao presidente da
República sancionar ou vetar o que o Congresso aprova. Cabe ao Congresso
conformar-se com o veto ou tentar derrubá-lo. Nesse caso, não cabe em
hipótese alguma a abertura de um processo de impeachment só porque o
presidente usou ou deixou de usar um poder que a Constituição lhe
confere.
Como de hábito, quando
contraria os bolsonaristas de raiz e começa a apanhar deles, o
presidente tira sua responsabilidade da reta e joga a dos outros. É o
que faz mais uma vez ao culpar o Congresso por algo que ele mesmo
propôs. Bolsonaro manipula os fatos, como se vê. Mas esse é também outro
hábito dele.
Blog do Noblat - Ricardo Noblat, jornalista - VEJA