O ministro Dias Toffoli, num laudatório à liberdade de expressão e sob
aplauso da mídia nacional cassou a decisão com que o desembargador
Benedicto Abicair determinou à Netflix sustar a exibição do “especial de
Natal” do grupo Porta dos Fundos. É instrutivo ler os
fundamentos de tais decisões porque elas ajudam a identificar o caráter
instável, os critérios nebulosos e mutáveis, e as bases oscilantes em
que se lastram deliberações por vezes relevantes adotadas pelo STF.
O ministro Dias Toffoli, ao conceder a medida cautelar em favor da Netflix (1), cita decisão anterior do STF no julgamento ADI nº 4451/DF. Nela, o Supremo teria consagrado que:
Não é lindo isso? Há poucos meses, o ministro Dias Toffoli, coadjuvado
pelo ministro Alexandre de Moraes, determinou a O Antagonista e à
revista eletrônica Crusoé a retirada do ar de matéria em que ele,
Toffoli, era parte mencionada. Tratava-se da informação de Marcelo
Odebrecht sobre quem era o “amigo do amigo de meu pai”. A reportagem era
veraz, o documento era da Lava Jato e o ministro Alexandre de Moraes
viu-se constrangido a suspender a censura.
Por essas e muitas outras, tenho a impressão de que assuntos relevantes são decididos no STF ao sabor das vontades individuais de seus membros, que parecem dispor de um arquivo de fundamentações contraditórias, para serem usadas quando oportunas. No trecho final da liminar concedida à Netflix, uma nova “pérola” do ministro presidente:
fossem os valores da fé cristã tão volúveis e solúveis como parecem ser certos fundamentos de decisões do STF, aí sim, seria possível a intervenção saneadora do poder judiciário?
É sua firmeza que torna tolerável o vilipêndio?
Ora, ministro, vá ler o que escreve.
(1) - https://www.conjur.com.br/dl/toffoli-concede-liminar-suspende.pdf
Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.
Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
O ministro Dias Toffoli, ao conceder a medida cautelar em favor da Netflix (1), cita decisão anterior do STF no julgamento ADI nº 4451/DF. Nela, o Supremo teria consagrado que:
“...
[o] direito fundamental à liberdade de expressão não se direciona
somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou
convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas,
condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas
pelas maiorias” (Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 6/3/2019).
[inserido por Blog Prontidão Total]
Não bastante isso,
ainda ontem, 9 de janeiro, o ministro presidente do STF determinou que o
ministro da Educação, Abraham Weintraub, no prazo de 15 dias, esclareça
as razões que o levaram a afirmar que a adoção das carteirinhas
estudantis eletrônicas iria acabar com a “máfia da UNE”, que recebe,
anualmente, 500 milhões de reais para disponibilizá-las à população
escolar. Onde foi parar a tal liberdade de expressão exaltada na ADI
mencionada acima? Na voz do Supremo, ela não incluía e protegia
afirmações duvidosas, exageradas, satíricas e humorísticas? Mas as
verazes, não?Por essas e muitas outras, tenho a impressão de que assuntos relevantes são decididos no STF ao sabor das vontades individuais de seus membros, que parecem dispor de um arquivo de fundamentações contraditórias, para serem usadas quando oportunas. No trecho final da liminar concedida à Netflix, uma nova “pérola” do ministro presidente:
“Não
se descuida da relevância do respeito à fé cristã (assim como de todas
as demais crenças religiosas ou a ausência dela). Não é de se supor,
contudo, que uma sátira humorística tenha o condão de abalar valores da
fé cristã, cuja existência retrocede há mais de 2 (dois) mil anos,
estando insculpida na crença da maioria dos cidadãos brasileiros.”
Mas é exatamente isso que caracteriza o crime de “vilipêndio de objeto
de fé”! A fé sólida não é abalada, por ele. É, isto sim, ofendida,
desrespeitada, vilipendiada. E mais: fossem os valores da fé cristã tão volúveis e solúveis como parecem ser certos fundamentos de decisões do STF, aí sim, seria possível a intervenção saneadora do poder judiciário?
É sua firmeza que torna tolerável o vilipêndio?
Ora, ministro, vá ler o que escreve.
(1) - https://www.conjur.com.br/dl/toffoli-concede-liminar-suspende.pdf
Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.
Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.