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quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Por que os planos nacionais de segurança dão errado?

Na área de segurança, o Brasil vive um eterno recomeço, enquanto a criminalidade se agrava. Os presidentes lançam planos sucessivos, mas não se engajam nas reformas necessárias 

Junho de 2000. Um crime expôs a calamidade da segurança pública brasileira. No sequestro do ônibus 174, no Rio de Janeiro, uma refém, grávida, foi morta pela polícia. O sequestrador foi morto, no camburão, por policiais. Na semana seguinte, o ministro da Justiça, José Gregori, anunciou o primeiro Plano Nacional de Segurança Pública. “Não há nada mais importante para fazer agora do que combater a violência”, afirmou.

Janeiro de 2017. Dois crimes expuseram a calamidade da segurança pública brasileira. Em um presídio em Manaus, 56 presos foram mortos por uma facção rival. Dois dias depois, em Rondônia, 33 presos também foram mortos por rivais. Na semana seguinte, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, anunciou o Plano Nacional de Segurança Pública: “São três palavras que regem a aplicação do plano: integração, cooperação e colaboração”.

O plano de Alexandre de Moraes é o quarto apresentado desde 2000, o que torna esse tipo de anúncio uma cerimônia tão frequente quanto a Copa do Mundo. Nesse período, o total de presos aumentou 161%, para 607.731 pessoas. Apesar da sucessão de planos de segurança – ou por causa dela –, desde 2000 a taxa de homicídios por arma de fogo piorou 2%.

Reformar o sistema de segurança pública é difícil, por envolver muitos poderes, e tem razoável chance de fracasso. Como resumiu Leonel Brizola, ex-governador do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, equivale a abraçar um afogado – se afogar junto é mais provável do que salvar o banhista. A impopularidade pela violência geralmente recai sobre os governadores, responsáveis pela Polícia Militar. O poder de mobilização nacional necessário à reforma da segurança geralmente está com os presidentes. Passados a comoção e o anúncio do plano nacional, eles costumam nadar para longe do problema.

Responsável pelo plano de 2000, que criou a Secretaria Nacional de Segurança e o Fundo Nacional de Segurança, o presidente Fernando Henrique Cardoso admitiu (tucanamente) seu fracasso no combate à criminalidade. “Nem tudo foram glórias”, disse. “Eu venci a inflação, vou deixar a violência com vocês. Não deu tempo de fazer o que eu queria”, disse o presidente a governadores, segundo afirma o coronel José Vicente da Silva Filho, último secretário de Segurança de FHC.

Lula teve dois projetos de segurança pública. Um era parte do plano de governo da campanha eleitoral de 2002. Elaborado pelo sociólogo Luiz Eduardo Soares, o projeto previa a unificação das polícias Civil e Militar. Mas o Ministério da Justiça foi entregue a Márcio Thomaz Bastos, antipático à ideia. “Uma coisa é o que eu penso e outra é o plano de governo”, disse. Nomeado secretário nacional de Segurança, Soares alinhavou o acordo com os 27 governadores. Em vão. “Caberia ao presidente convocar os governadores ao Palácio do Planalto para assinar a proposta e entregar ao Congresso”, diz Soares. “Lula marcou uma primeira data, em junho de 2003, mas adiou e, depois, adiou indefinidamente.” O segundo plano de Lula foi o Pronasci, proposto pelo ministro da Justiça Tarso Genro, em 2007. Avançava na prevenção aos crimes e desistia da unificação das polícias. “O próprio Tarso me disse que o governo não tinha, àquela hora, condições políticas para propor mudanças profundas”, afirma Soares. Sucessora de Lula, Dilma Rousseff nem sequer ouviu o projeto de redução de homicídios elaborado em 2011 por seu ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. “Ela disse que aquilo não tinha sentido, não era responsabilidade da União”, diz Soares, colaborador informal do projeto. Nos dias seguintes, os técnicos se demitiram.

>> Massacres nos presídios revelam a guerra dos facínoras que comandam o crime

O quarto Plano Nacional de Segurança foi feito do zero, a exemplo dos anteriores. “Será mais realista”, diz Moraes. A mera sucessão de propostas pode explicar o fracasso de cada uma delas.Por que São Paulo, com 43 milhões de habitantes, tem o menor índice de violência do país? Porque tem duas décadas de continuidade na política de segurança”, diz José Vicente. “Como no mito de Sísifo, o Brasil parece condenado ao eterno recomeço. Empurramos a pedra para cima, mas ela insiste em rolar para baixo.”

Fonte: Revista ÉPOCA