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quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Ministros do Supremo deveriam seguir o exemplo do juiz Scalia nunca bateu boca



Os ministros do STF poderiam passar umas boas horas lendo as curtas palestras do genial conservador americano

O ministro Gilmar Mendes não gosta que se façam comparações entre a Corte Suprema americana e o STF. Mesmo assim, até para ele seria recomendável a leitura de um livro que acaba de sair nos Estados Unidos e está na rede por R$ 68,39. Trata-se de “Scalia Speaks” (“Scalia fala — Reflexões sobre a lei, a fé e uma vida bem vivida”).

O juiz Antonin Scalia ficou 29 anos na Suprema Corte, até sua morte, em 2016, e marcou-a como poucos. Conservador irredutível e católico fervoroso (teve nove filhos), sorvia com gosto os ódios que despertava. Divergindo e polemizando, sempre enriquecia os debates. Nunca se meteu em bate-bocas no tribunal. A sorrir, levou a vida.

O livro, com 51 textos curtos de Scalia, foi organizado por um de seus filhos e um ex-assistente. A primeira alegria está no prefácio, escrito pela sua colega Ruth Bader Ginsburg. Eles tiveram todos os motivos políticos e ideológicos para se detestar. Tornaram-se bons amigos porque gostavam de inteligência, leis, óperas e boa comida. (Algum admirador de Gilmar Mendes poderá achar que ele é um Scalia brasileiro, mas nenhum admirador de Scalia concordará com isso.)

Mencione-se um item da agenda progressista e lá estava Scalia, contra: aborto, casamento de pessoas do mesmo sexo, financiamento público para as artes, ativismo judicial. Num caso relacionado com a criação artística, no qual um escultor fez um “Cristo mijado”, imerso em urina, ele lembrou que a impropriedade estivera no uso do dinheiro público, pois não se pensou em colocar na cadeia “esse Da Vinci dos tempos modernos”. Defendeu como poucos a liberdade de expressão.

Scalia refez a cabeça dos tribunais americanos, combatendo a ideia de que a Constituição é algo vivo. A Constituição é aquilo que nela está escrito. O que não está, não é dela. (É imprópria qualquer comparação com o texto móvel da Carta brasileira.)
Ele diferenciou-se de todos os antecessores pela clareza de seus raciocínios e pela maestria na escrita. Scalia confessou que sofria para escrever e no livro ensina que um bom texto precisa de “tempo e suor”. Lendo-o, percebe-se o suor nas suas pesquisas.
“Scalia Speaks” inclui a palestra que ele fez em 2009 na Universidade de Brasília, intitulada “Os mulás do Ocidente, os juízes como árbitros morais”. Nela, Scalia atacou uma decisão da Corte de Direitos Humanos da Comunidade Europeia que condenou uma lei inglesa que considerava indecentes relações homossexuais envolvendo mais de duas pessoas. 

Segundo a Corte, devia-se respeitar a privacidade dos interessados. Scalia foi em cima: “O tribunal não especificou quantas pessoas deveriam participar até que o evento deixasse de ser ‘privado’. Talvez esse número esteja entre cinco e o da multidão necessária para encher o Coliseu.” Ele não tinha nada contra orgias dos outros, o que não queria é que juízes se metessem a regular questões como essas. [exemplo a ser seguido pelo STF, que aceita a humilhação de ser chamado a julgar a conveniência do uso de banheiros públicos unissex.
 
Quando Scalia passou pelo Brasil, os lava a jatos serviam para lavar carros; por isso, deve-se transcrever o fecho de sua palestra:  “Eu não gosto da influência da política no processo de indicações de juízes no meu país. Mas, francamente, eu o prefiro à alternativa, que é o governo por uma aristocracia judicial”.

Por: Elio Gaspari, jornalista - O Globo