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sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Adeus, União Europeia - Nas entrelinhas

“É a primeira vez que alguém abandona o bloco econômico, interrompendo o processo de construção de uma ‘casa comum’ na Europa, que parecia irreversível, depois do fim da URSS”

Dominada pelos conservadores, a Câmara dos Comuns aprovou, ontem, a saída definitiva do Reino Unido da União Europeia, depois de três anos de impasses, desde a aprovação do Brexit no plebiscito de 24 de junho de 2016. Sob a liderança do primeiro-ministro Boris Johnson, o Partido Conservador garantiu a aprovação do afastamento, que obteve 330 votos, contra os 231 da oposição, liderada pelo Partido Trabalhista. O texto depende ainda do endosso da Câmara dos Lordes para ter a assinatura da rainha, o que deve ocorrer na próxima semana. O Brexit deverá ser ratificado também pelo Parlamento Europeu, em sessão marcada para 29 de janeiro, dois dias antes do prazo final para a saída do bloco.

Há três anos, o adeus britânico à União Europeia surpreendeu o mundo, pois ninguém esperava que o nacionalismo emergisse no Reino Unido com força tão avassaladora, a começar pelo então primeiro-ministro David Cameron, que havia convocado o plebiscito. Líder do partido conservador, fez intensa campanha contra o Brexit, mas foi derrotado de forma surpreendente e acabou tendo que renunciar ao cargo. Foi sucedido por Teresa May, também do Partido Conservador, que acabou renunciado por outro motivo: a maioria dos deputados rejeitou suas propostas de acordo por três vezes. Foi sucedida por Boris Jonhson, que virou a mesa e, nas últimas eleições, conseguiu formar ampla maioria no Parlamento. Brexit é uma junção das palavras em inglês “British” e “exit”, que significa “saída britânica”.

Desde sua criação, em 1993, é a primeira vez que alguém abandona o bloco econômico, interrompendo o processo de construção de uma “casa comum” na Europa, que parecia irreversível, principalmente depois do fim da União Soviética e da derrocada do comunismo no Leste Europeu. A hegemonia da Alemanha e da França nesse processo nunca foi bem digerida pelos britânicos, que foram os grandes artífices do atual processo de globalização, com a política neoliberal da ex-primeira-ministra conservadora Margareth Tatcher.

Economicamente, a retirada será muito traumática no curto prazo para os cidadãos britânicos e europeus. Muitas leis vigentes no Reino Unido perderão a validade. Para evitar “buracos” na legislação, a ex-primeira-ministra Theresa May havia proposto que o Reino Unido absorvesse todas as normas da UE e, após um período de transição, cada uma delas seria avaliada, atualizada ou revogada — mas sem necessariamente consultar o Parlamento. A proposta foi derrotada três vezes, mas agora acabou aprovada por Boris Jonhson, com modificações.

Problemas
Em contrapartida, cerca de 1,3 bilhão de euros deixarão a UE com a saída do Reino Unido, que é um dos três pilares da economia europeia. Agora, a estabilidade da economia europeia dependerá, sobretudo, da Alemanha, porque a França de Macron anda muito convulsionada. O Reino Unido será forçado a pagar uma multa, estimada entre 60 e 100 bilhões de euros, o que também não será muito fácil para os britânicos. A Escócia majoritariamente preferia permanecer na União Europeia e ainda tem o problema da fronteira entre as duas Irlandas, pois a do Norte preferia também permanecer na União Europeia. A Irlanda permanecerá na União Europeia, com uma fronteira de 500km sem aduanas. Durante 30 anos, houve violentos conflitos entre as duas Irlandas.


O Reino Unido tem uma aliança estratégica com os Estados Unidos, em todos os níveis, e mantém fortes laços com a chamada Comunidade Britânica (Commonwealth of Nations), integrada por 53 países, a grande maioria ex-colônias, dos quais 16 ainda reconhecem a rainha Elizabeth II como chefe de Estado, como o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia, que são economicamente os mais importantes. Nenhum outro país da União Europeia reúne as mesmas condições para sair do bloco. Mesmo assim, o Brexit fortalece e desperta correntes nacionalistas em todo o continente europeu. O pior desse processo é que essas correntes são muito xenófobas, reagindo fortemente à presença de imigrantes africanos e árabes, o que pode agravar as tensões políticas em vários países, inclusive na Alemanha, onde a primeira-ministra Angela Merkel sempre se destacou pela defesa dos imigrantes e forte oposição às manifestações racistas, de triste memória, devido ao Holocausto.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense