O passado do candidato conservador Jair Bolsonaro numa cidadezinha do Vale do Ribeira
Por volta
das 11 horas de uma manhã de junho, a estrada esburacada que leva a Eldorado,
no Vale do Ribeira, em São Paulo, estava vazia. Com 15 mil habitantes, a 245
quilômetros de São Paulo, a cidade se resume a uma montanha a beira-rio, cujo
topo é preenchido pela típica igreja em frente à praça com nome de santa.
Fundada na segunda metade do século XVIII, foi chamada primeiramente de
Xiririca — uma onomatopeia guarani que imita o barulho de água corrente. O nome
de batismo foi alterado para Eldorado em 1948, em referência ao ciclo do ouro,
que também inspirou os municípios vizinhos de Sete Barras, onde sete barras de
ouro foram retiradas da terra, e Registro, onde o ouro era registrado.
Jair Bolsonaro deixou Eldorado, a cidade em que foi criado, para
integrar escolas militares em Campinas e em Resende. O jovem falava em
ser presidente, porque à época era coisa de militar, relatam amigos - Reprodução
Não há
quem não conheça Bolsonaro por ali. Quarto
maior município paulista em extensão territorial, segundo maior índice de
mortalidade infantil no estado e com 40% de seus moradores com renda abaixo de
dois salários mínimos, Eldorado parece ter parado no tempo, com indicadores que
contradizem o próprio nome. Os homens trabalham fora, as mulheres cuidam da
casa, e a diversão se limita a comer, beber, pescar e dar voltas em torno da
praça. Não fosse a Caverna do Diabo, que, com 6,5 quilômetros de extensão, é a
maior do estado, nenhum turista teria motivo para aparecer na cidade.
As
construções antigas em ruas largas e empoeiradas são as mesmas do tempo em que
o dentista prático Percy Geraldo Bolsonaro chegou de Glicério, município do noroeste
paulista, com a mulher e seis filhos — o sétimo morrera pouco depois de nascer
prematuro. Terceiro dos seis irmãos (Angelo, Maria Denise, Jair, Solange,
Renato e Vânia), Bolsonaro, nascido em Campinas, viveu em Eldorado até os 18
anos. Saiu de lá para ingressar na Escola Preparatória de Cadetes do Exército.
Só costuma voltar à cidade em que foi criado em datas festivas, para ver a
família e alguns colegas com quem passou a infância e a adolescência nas
escolas estaduais Professora Maria Aparecida Viana Muniz e Doutor Jayme Almeida
Paiva.
Bolsonaro como cadete com familiares em Eldorado - Reprodução
Estão em
Eldorado-Xiririca os anos de formação do político que assombra grande parte do
país, enquanto arrola número significativo de simpatizantes. Candidato a
presidente pelo nanico PSL, Jair Messias Bolsonaro, de 63 anos, atinge 20% das
intenções de voto, postando-se como nome forte na sucessão. Com 30 anos de
atuação político-parlamentar e passagem por sete partidos, Bolsonaro cultivou a
polêmica para destacar-se. Entrou na política depois de ser acusado de liderar um
plano para colocar bombas em quartéis como forma de pressionar a União por
aumentos salariais para a tropa. Usou a fama repentina para tornar-se a voz dos
militares, primeiro como vereador e depois como deputado federal.
Em 1993,
mesmo no Parlamento defendia a ditadura e o fechamento temporário do Congresso
Nacional. Alegava o deputado que a existência de muitas leis atrapalhava o
exercício do poder e que, “num regime de exceção, o chefe, que não precisa ser
um militar, pega uma caneta e risca a lei que está atrapalhando”. No ano
seguinte, disse preferir “sobreviver no regime militar a morrer na democracia”.
Afirmou que “a situação do país seria melhor se a ditadura tivesse matado mais
gente”, incluindo na lista o então presidente Fernando Henrique Cardoso.
No início
de 2000, Bolsonaro defendeu a pena de morte para qualquer crime premeditado e a
tortura em casos de tráfico de drogas, afirmando que “um traficante que age nas
ruas contra nossos filhos tem de ser colocado no pau de arara imediatamente.
Não tem direitos humanos nesse caso”. Para sequestradores, indicava: “O cara tem
de ser arrebentado para abrir o bico”. Atacou homossexuais, dizendo não admitir
“abrir a porta do meu apartamento e topar com um casal gay se despedindo com
beijo na boca, e meu filho assistindo a isso”. Reclamou dos que têm pouco
dinheiro: “Pobre não sabe fazer nada”.
Deputado
federal em sétimo mandato, fez discursos no plenário em que qualificava
adversários como “canalha”, “patife”, “imoral”, “terrorista” e “delator”.
Cunhou cartazes debochados quando da discussão legislativa sobre desarmamento —
“Entregue suas armas: os vagabundos agradecem” — e desaparecidos políticos —
“Araguaia: quem procura osso é cachorro”. Ria com
prazer ao ver seu nome associado à violação dos direitos humanos. Abertamente
já defendeu a pena de morte, a prisão perpétua, o regime de trabalhos forçados
para condenados, a redução da maioridade para 16 anos e um rígido controle da
natalidade como maneira eficaz de combate à miséria e à violência. [controle de natalidade sem aceitar o aborto é perfeitamente correto - será baseado na prevenção sem tolerar o assassinato de seres humanos inocentes e indefesos.]
Debochou
das acusações de nepotismo quando empregou parentes em seu gabinete e procura transferir
prestígio para os filhos na política — Flávio, de 37 anos, é deputado estadual
fluminense e candidato ao Senado; Eduardo, de 34, é deputado federal por São
Paulo; Carlos, de 32, é vereador no Rio de Janeiro. Bolsonaro se refere aos
filhos como 01, 02 e 03, na ordem crescente de idade. Seu
passado antes da carreira política estridente segue nebuloso. Em busca dele,
ÉPOCA investigou por dois meses as origens dos Bolsonaros, flor emergente de
Eldorado-Xiririca.
No fim da
estrada de acesso à cidade, num posto de combustíveis, o frentista estudou com
Jair Bolsonaro. “Ele era goleiro”, contou Tirço. “Ruim de bola.” Da turma, só o
presidenciável ficou famoso. Os outros tornaram-se frentistas, secretárias,
agricultores e donas de casa. Narcisa dos Santos, de 63 anos, mesma idade de
Bolsonaro, rememorou o tempo em que o presidenciável, ainda menino, corria nu
pela praça da cidade, irritado com as irmãs. “De mim ele apanhava”, disse ela.
Já naquele tempo, Bolsonaro tinha uma metralhadora na língua. “Batia nele
quando me chamava de gorda, baleia, saco de areia”, contou Narcisa. “Ele saía
louco correndo sem calça na praça.”
O negócio
do hoje presidenciável era estudar e pescar, lembrou outro colega de escola,
Celso Leite. “Era quietão”, disse. “Mas já falava que ia ser presidente do
Brasil, porque naquele tempo os presidentes eram militares.” Quando soldados
baixaram em Eldorado à procura do guerrilheiro Carlos Lamarca, no início dos
anos 1970, Bolsonaro passou a admirar o Exército — até hoje se orgulha de ter ajudado
a guiar os militares pelas matas que conhecia desde criança na caça ao
comunista Lamarca.
Logo na
entrada de Eldorado há um quilombo com cerca de 300 quilombolas, que foi
visitado por Bolsonaro em 2017. Numa palestra no Rio de Janeiro, o deputado
disse que o “afrodescendente mais leve” de lá “pesava 7 arrobas” e “nem para
procriador servia mais”. As declarações fizeram a PGR denunciá-lo ao STF por
racismo. Ele também foi condenado pela Justiça Federal a pagar R$ 50 mil por
danos morais ao Fundo Federal de Defesa dos Direitos Difusos.