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sábado, 30 de setembro de 2017

Poderes em disputa



[não se trata do STF rever uma decisão para não entrar em conflito com o Congresso; trata-se sim, do STF rever uma decisão tomada por três dos seus ministros - sequer houve unanimidade na  Primeira Turma, dos cinco ministros que a integram dois foram contrários à decisão - e que afronta uma das Casas que compõem o Poder Legislativo.

Três ministros não representam sequer um terço da composição plena do Supremo Tribunal Federal.]

 Mais uma vez o Supremo Tribunal Federal (STF) poderá rever uma decisão para não entrar em conflito com o Congresso. Desta vez, porém, diferentemente do caso de Renan Calheiros, em que foi preciso alterar uma maioria já dada em plenário para mantê-lo na presidência do Senado, mas fora da linha de substituição do presidente da República, a tentativa de apaziguar a crise dará condições ao plenário do Supremo de analisar um caso genérico sem parecer que os ministros estão tratando da decisão da Primeira Turma sobre o afastamento do senador Aécio Neves.

Mas é exatamente sobre isso que estarão decidindo no próximo dia 11 quando, a pedido da presidente Carmem Lucia, o ministro Luis Edson Facchin aceitou pautar para julgamento uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) proposta por vários partidos que estava parada, na fila.  Ganhou prioridade porque trata do tema que colocou o Senado contra uma decisão do STF: como deve ser feito o afastamento de parlamentares.

Há quem veja nessa manobra uma solução para a crise, já que não será o caso do senador tucano o objeto da análise do pleno. Os que defendem a supremacia da decisão da primeira turma veem um retrocesso, uma maneira de revelar que o Supremo não tem como manter a decisão. Alegam que se todos os associados na empreitada estão em prisão domiciliar, inclusive a irmã e o primo do senador Aécio Neves, seria uma incoerência o suposto comandante da operação não sofrer nenhuma sanção.

A tese, defendida por vários ministros e ex-ministros do Supremo como Carlos Veloso, advogado de Aécio em várias causas mas não nessa, de que se o STF não pode prender, não pode também aplicar medidas alternativas à prisão, é contestada pelos defensores da decisão da primeira turma. De outro jeito, os parlamentares se tornam inimputáveis, uma aceitação de que o parlamentar pode cometer qualquer crime.

A votação, de qualquer maneira, deixará à mostra a incoerência dos ministros que votaram unanimemente a favor do afastamento do então presidente da Câmara Eduardo Cunha e os que eventualmente votarem agora pela impossibilidade de afastar um parlamentar do seu mandato sem que o Congresso aprove.   A incoerência das duas votações no caso do senador Renan Calheiros dá bem a dimensão do que pode acontecer agora. Uma nova maioria foi organizada a partir da mudança de votos de três ministros, a começar pelo decano Celso de Mello, que teve papel preponderante nos dois julgamentos.  No primeiro, fez questão de dar seu voto mesmo após Toffoli pedir vista do processo, formando a maioria a favor do afastamento de Renan Calheiros.

Celso de Mello parecia querer dar a maioria à tese de que um réu não pode ficar na linha de substituição do presidente da República, neutralizando o pedido de “vista obstrutiva” de Toffoli. Mas no segundo julgamento ele retificou parte do voto proferido, alegando que constatou ao ler “o voto escrito do relator”, que em suas conclusões Marco Aurélio Mello “foi além da compreensão que tive."

 Mais dois ministros, Luis Fux e Teori Zavascki, mudaram seus votos, reduzindo a maioria aos três que repetiram a posição anterior: o relator Marco Aurélio Mello, Rosa Weber e Luis Fachin. O falecido Teori Zavascki mostrou-se preocupado com as consequências políticas da decisão: “Em nada contribui para um julgamento sereno e seguro a manutenção de um cenário político tenso, que propicia críticas pejorativas de caráter pessoal”.

Os três ministros da primeira turma que deram a vitória à tese do afastamento do senador Aécio Neves, com recolhimento noturno - Luis Roberto Barroso, Rosa Weber, e Luis Fux devem manter suas posições. O relator da Lava Jato, Luis Edson Facchin, provavelmente votará com eles, já que o que está em julgamento é sua primeira decisão de afastar o senador, embora possa discordar do recolhimento noturno, que não consta de seu voto original.

Do outro lado ficarão os ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello, que já se pronunciaram contra a decisão da primeira turma, e provavelmente Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes. A presidente Carmem Lucia, na avaliação de vários ministros, deve votar contra. Como o ministro Dias Toffoli não estará presente, o voto do ministro Celso de Mello será decisivo.

Se ele for a favor da punição de parlamentares mesmo sem a autorização do Congresso, o julgamento deve ficar cinco a cinco, e será preciso esperar a volta de Toffoli. Caso Celso de Mello se posicione contra a punição sem autorização do Congresso, estará formada a maioria para essa tese, e definido o procedimento a ser adotado dali por diante. Pode pesar na decisão dos ministros a mesma cautela de não causar um enfrentamento de Poderes.

Mas há a hipótese, não de todo desprezível, de que o Senado resolva, na próxima terça-feira, decidir que o Supremo não poderia ter tomado a decisão que tomou, sem aguardar a palavra final do plenário do STF. Nesse caso, estaria instalada uma crise institucional que terá na reunião do dia 11 uma continuação, e o resultado pode ser alterado. [não pode ser olvidado que se trata de uma decisão de três ministros do Supremo, componentes de uma turma integrada por cinco ministros, sendo um absurdo em um confronto direto entre os Poderes que três ministros decidam por onze.
Seria a mesma coisa que uma decisão afrontando o Supremo, aprovada por 25 senadores fosse considerada uma decisão do Senado Federal, do Poder Legislativo.]

Essa nova disputa entre o Senado e o Supremo representa também o permanente embate entre duas visões de mundo que se digladiam há algum tempo, a velha ordem estrebuchando, tentando manter o status quo. E o novo tentando nascer num ambiente ainda hostil.

Fonte: Merval Pereira, jornalista - O Globo