A alta dos juros americanos já era esperada e se sabe como os mercados reagem: diante do aumento da rentabilidade dos papéis do Tesouro dos EUA, os capitais saem de países emergentes e considerados de risco. Mas ontem o Fed também mudou sua comunicação e avisou que fará mais duas elevações da taxa. Tenta evitar a inflação que pode vir de um mercado de trabalho aquecido. A Fitch prevê que o desemprego nos EUA vai cair para 3,4% no ano que vem, o que, se acontecer, será o mais baixo em 65 anos. Isso produz oscilações de valor de ativos no mundo inteiro. Muito mais num país que enfrenta suas próprias dificuldades políticas e econômicas como o Brasil.
A greve dos caminhoneiros terminou, mas deixou a economia em suspenso. Negociadores permanecem tentando desfazer os nós que se formaram dentro da cadeia produtiva, mas com pouco sucesso. A Abiove, Acebra e Anec, que dizem representar “quase a totalidade da comercialização de soja, farelo de soja e milho”, divulgaram nota dizendo que não estão participando de negociações nem com o governo nem com caminhoneiros. A Associação Brasileira de Produtores de Soja entrou na Justiça contra o tabelamento. Ou seja, a notícia de que o setor de grãos tinha fechado um acordo com os caminhoneiros foi negada pelas organizações que representam uma parte importante do agronegócio. Por enquanto, o que tem acontecido é o aumento da judicialização. Na política e na economia, tudo tem ido parar na Justiça.
Há quem no governo assegure que as negociações avançam, mas o fato é que a esta altura a greve do transporte de cargas se transformou numa espécie de tremor com choques secundários. Ela parou o país, provocando desabastecimento, espalhando prejuízos aos produtores e elevando os preços. A normalização é aparente. Há combustíveis nos postos e mercadorias nos supermercados, mas há também muitos setores parados na queda de braços sobre o valor do frete. Os indicadores começam a apontar melhoras depois de terem sido unânimes em decepcionar no primeiro trimestre. Ontem, o IBGE divulgou dados positivos sobre as vendas do varejo em abril, com 1% de alta, e 1,3% no varejo ampliado. Na comparação com o mesmo mês do ano anterior, foi a 13ª alta consecutiva, mas foi menos acentuada. A economia vai assim contando os grãos de boas notícias, porque elas não são frequentes.
Em fevereiro, a projeção do mercado para o crescimento de 2018 era de quase 3%, e esta semana caiu para 1,94%. A inflação tinha felizmente um colchão para absorver o choque e por isso deve ficar, segundo o Banco Central, na meta. Há vários choques ao mesmo tempo: o da greve dos caminhoneiros, o do conflito do frete, o do dólar, o das incertezas políticas. Todos atingem a perspectiva de crescimento do país. É neste contexto que entra o impacto provocado pela alta dos juros americanos. Esse movimento em quatro atos do Fed está atraindo capitais para os EUA e vai provocar queda do valor das commodities, o que afetará também a economia brasileira.
Mas nada do exterior é mais forte do que os fatores internos que mantêm a economia brasileira em ambiente de crise. Um governo fraco está nos seus últimos meses e o quadro eleitoral não podia estar mais embolado. A vantagem que resta é a de o país estar em boa posição cambial, com baixo déficit em transações correntes e altas reservas para, com isso, enfrentar a turbulência.
Coluna da Miriam Leitão - Com Alvaro Gribel, de São Paulo