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sexta-feira, 8 de março de 2019

A história de Alana e Paulo Henrique. Até o mais triste fim

Caso entrou na estatística de feminicídios no Brasil. Mais uma morte que poderia ter sido evitada, segundo especialistas

O dia do julgamento do assassino de Alana encerrava um ciclo. “Foi o pior momento da minha vida”, conta Madalena. “Como se eu estivesse terminando de enterrar a minha filha.” Somente naquela sala de tribunal, cercada de estranhos, ela viu o retrato completo do abusivo relacionamento vivido por sua filha. E também as muitas pistas que haviam sido deixadas pela escalada da violência de Paulo Henrique.

Durante as treze horas de sessão, Madalena fez questão de ficar sentada à frente de seu ex-genro, o homem que matou Alana. Ele não olhou em seus olhos. O depoimento, para ela, confirmou apenas o quão grande era o sentimento de posse que ele sentia. “Percebi que, na cabeça do Paulo, é como se ele tivesse feito a coisa certa.”

A morte da Alana poderia ter sido evitada, assim como a da maioria das vítimas de feminicídio no Brasil. “Vemos cada vez mais a intensificação do ciclo da violência. Daquele relacionamento abusivo que começa nas primeiras agressões, humilhações e ameaças. E se intensifica até a morte da mulher”, explica a promotora de Justiça Silvia Chakian, coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica (Gevid) do Ministério Público Estadual de São Paulo. “Não é em um ato de loucura que o homem mata a mulher. É como se fosse uma tragédia anunciada.”

Alana tinha 26 anos quando conheceu Paulo Henrique. Ela cursava Engenharia Mecânica em São João da Boa Vista, cidade perto de Poços de Caldas, onde morava. Todas as sextas-feiras, ia com amigos a um bar próximo da faculdade. Foi onde conheceu Paulo Henrique. Ele fazia bico como garçom no bar. Durante o dia, atuava como representante de uma marca de maquiagem.  De tanto se encontrarem no mesmo ambiente, os dois acabaram se aproximando. “Um dia, ela me falou: ‘Mãe, estou saindo com uma pessoa e ele disse que gosta muito de mim’. Eu perguntei se ela também gostava dele e a resposta foi que estavam se conhecendo”, recorda Madalena.

Paulo aparentava ser um homem calmo e extremamente tranquilo. Não era de falar muito, tampouco de reclamar. “Perto das pessoas, ele estava sempre disposto a fazer tudo o que ela queria”, conta a mãe. Um perfil muito recorrente entre os autores de violência doméstica e familiar, segundo a promotora Silvia.  Por agir de forma “socialmente adequada”, algumas pessoas não pensam, no primeiro momento, que se trata de um homem capaz de cometer atos de violência doméstica. E acabam muitas vezes não acreditando na vítima. “Esse perfil não corresponde àquele imaginário do criminoso comum, com vasta folha de antecedentes, que não tem emprego, família ou amigos, e vive à margem da sociedade”, afirma a promotora.

O relacionamento dos dois evoluiu rapidamente. Em menos de um ano, Paulo e Alana decidiram morar juntos. Preocupada com a rápida evolução do relacionamento, Madalena resolveu questionar. Perguntou se a jovem tinha certeza do que estava fazendo, disse que achava a filha muito nova. Mas ela parecia determinada. “Vamos só morar juntos, não casar.”

(...)

 
Por volta da meia noite, o telefone tocou na casa de Madalena. Do outro lado da linha, a sobrinha policial pedia que a tia fosse à delegacia, pois havia acontecido uma tragédia. “Fale o que Paulo fez”, perguntou a mãe ao telefone. Por conta dos relatos que ouviu da filha naquela semana, imaginou que o genro tivesse feito algo contra a própria vida. “Tia, só vem pra cá, precisamos de você aqui”, insistiu. Desesperada, já aos prantos, a mãe acordou a filha mais nova e o marido, que imediatamente pegou o telefone para falar com a sobrinha. “Ele falou com ela e provavelmente ela revelou o ocorrido. Quando vi a cara dele e percebi o jeito que ficou, eu falei: ele matou ela, não matou?” Sem rumo, Madalena ligava para o celular da filha. “Eu gritava, filha, me atende. E ela não atendia.”

Alguns minutos depois, Madalena foi para Poços de Caldas. Apesar de não ter nenhuma confirmação da sobrinha, já sabia que Paulo havia matado sua filha. “Eu sabia que ele tinha matado ela, mas a pior coisa foi que eu não sabia que eu não ia poder ver mais a minha filha.”  Quando chegou à delegacia, em Poços de Caldas, encontrou com a sobrinha. “Me leva para ver a minha filha, quero vê-la.” A resposta da sobrinha foi negativa: “Tia, não tem jeito de você ver ela. Ela vai ser enterrada em caixão lacrado.” Madalena se desesperou. “ Ele não matou a minha filha. Ele exterminou ela.”

Edna estava em sua casa quando ouviu um grito de socorro. Ao sair na rua, se deparou com uma outra vizinha, que apontou para uma casa de portão aberto e exclamou: “Tem fogo lá em cima!”. Edna e sua filha entraram na casa e avistaram o corpo de Alana caído no chão, em chamas. A menina lembrou que ela tinha uma bebê e logo correu para procurar a criança. A bebê, de 1 ano e 2 meses, estava dormindo no berço.
“Muitas vezes os filhos testemunham o abuso”, comenta a advogada Maria Laura. De acordo com o Raio-X do Feminicídio: é Possível Prevenir a Morte, estudo feito a partir de dados do Ministério Público do Estado de São Paulo, 1 a cada 4 feminicídios, tem vítimas além da mulher. Dessas vítimas secundárias, 57% são filhos – 43% deles sofrem violência indireta, a que é marcada pelo sofrimento psicológico; os outros 14% sofreram algum ataque no contexto.

MATÉRIA COMPLETA em O Estado de S. Paulo