Pausa no corte de juros pode servir para uma avaliação real da condição da indústria
Novo corte de juros em 2020, como estímulo adicional à economia, ou
início de uma fase de alta? As duas hipóteses parecem hoje menos
improváveis que na semana passada, quando o Banco Central (BC) anunciou
sua primeira decisão de política monetária deste ano. A redução da taxa
básica de 4,50% para 4,25% foi apresentada como fim do ciclo iniciado em
julho de 2019. Uma ressalva rotineira foi incluída, apesar disso, no
informe postado no site oficial: qualquer nova decisão dependeria, como
sempre, de novas informações sobre o quadro econômico. Seis dias depois,
surpresa: na reunião do Copom, o Comitê de Política Monetária do BC,
houve incertezas bem maiores do que parecia indicar aquele informe.
As divergências e dúvidas foram apontadas de modo mais amplo na ata da
reunião. Os encontros do Copom, realizados a cada mês e meio, duram dois
dias, uma parte na terça-feira e outra na quarta. As decisões são
anunciadas por meio de um informe ao anoitecer de quarta-feira. A ata,
mais longa e mais detalhada, aparece na terça-feira seguinte. O informe
inicial havia revelado uma incerteza importante: com novos canais de
intermediação, expansão do mercado de capitais e intermediação
financeira mais eficiente, a potência da política monetária deve ter
mudado.
Se esse for o caso, o impacto dos estímulos pode ser maior do que teria
sido em outras condições. Isso pode resultar numa inflação maior que a
esperada no período relevante para a política. Outros fatores também
poderiam ter efeito inflacionário. Mas a ênfase no risco embutido na
própria política de juros é uma novidade. Isso poderia bastar como justificativa para o encerramento do ciclo. O
Copom julgaria prudente interromper os cortes, neste momento, à espera
de mais informações para avaliar o impacto da política. Mas a incerteza é
mais ampla e, até certo ponto, surpreendente.
Há dúvidas também sobre o estado da economia. Numa linguagem mais
enrolada que a de outras atas, o texto menciona uma “dicotomia entre a
evolução do mercado de trabalho e o crescimento da produção de bens e
serviços”. O contraste apontado é entre a recuperação gradual das
condições de emprego e o mau desempenho da indústria. Segundo os últimos
dados, a produção industrial encolheu 1,1% em 2019. O recuo foi grande na atividade mineral, mas vários setores da indústria
de transformação também produziram menos que em 2018. O volume diminuiu
em 7 dos 15 locais cobertos pela pesquisa do IBGE. Além disso, dados
preliminares apontam investimento abaixo do esperado em bens de produção
e construções.
A capacidade ociosa da economia – desemprego elevado e subutilização de
máquinas, equipamentos e instalações – tem sido apontada como um dos
pontos de referência para as decisões de corte de juros. Com muita mão
de obra disponível e bens de produção sobrando, a economia deve ter
espaço para absorver os estímulos e crescer por algum tempo sem risco de
pressões inflacionárias. Esse argumento foi ainda considerado na última
reunião do Copom. A ata menciona o risco, citado em várias outras
ocasiões, de uma inflação abaixo da trajetória esperada por causa da
ampla ociosidade.
Mas há dúvidas também sobre a ociosidade. O rápido recuo da inflação,
depois do choque dos preços das carnes, indica uma folga ampla, segundo
alguns membros do Copom. Outros consideram a hipótese de uma ociosidade
menor que a medida pelos métodos tradicionais. Seria preciso, segundo
argumentam, levar em conta também possíveis efeitos da longa recessão no
parque produtivo. Mais que uma parada para conferir os efeitos do corte de juros, a
interrupção anunciada pode servir para um reexame das condições de uma
economia ainda frágil. É uma incerteza incomum, talvez inédita, na
história do Copom. Mas é um sinal de seriedade, um exemplo para boa
parte do governo.
Editorial - O Estado de S. Paulo