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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

As saudáveis incertezas do BC – Editorial - O Estado de S. Paulo

Pausa no corte de juros pode servir para uma avaliação real da condição da indústria

Novo corte de juros em 2020, como estímulo adicional à economia, ou início de uma fase de alta? As duas hipóteses parecem hoje menos improváveis que na semana passada, quando o Banco Central (BC) anunciou sua primeira decisão de política monetária deste ano. A redução da taxa básica de 4,50% para 4,25% foi apresentada como fim do ciclo iniciado em julho de 2019. Uma ressalva rotineira foi incluída, apesar disso, no informe postado no site oficial: qualquer nova decisão dependeria, como sempre, de novas informações sobre o quadro econômico. Seis dias depois, surpresa: na reunião do Copom, o Comitê de Política Monetária do BC, houve incertezas bem maiores do que parecia indicar aquele informe.

As divergências e dúvidas foram apontadas de modo mais amplo na ata da reunião. Os encontros do Copom, realizados a cada mês e meio, duram dois dias, uma parte na terça-feira e outra na quarta. As decisões são anunciadas por meio de um informe ao anoitecer de quarta-feira. A ata, mais longa e mais detalhada, aparece na terça-feira seguinte. O informe inicial havia revelado uma incerteza importante: com novos canais de intermediação, expansão do mercado de capitais e intermediação financeira mais eficiente, a potência da política monetária deve ter mudado.

Se esse for o caso, o impacto dos estímulos pode ser maior do que teria sido em outras condições. Isso pode resultar numa inflação maior que a esperada no período relevante para a política. Outros fatores também poderiam ter efeito inflacionário. Mas a ênfase no risco embutido na própria política de juros é uma novidade. Isso poderia bastar como justificativa para o encerramento do ciclo. O Copom julgaria prudente interromper os cortes, neste momento, à espera de mais informações para avaliar o impacto da política. Mas a incerteza é mais ampla e, até certo ponto, surpreendente.

Há dúvidas também sobre o estado da economia. Numa linguagem mais enrolada que a de outras atas, o texto menciona uma “dicotomia entre a evolução do mercado de trabalho e o crescimento da produção de bens e serviços”. O contraste apontado é entre a recuperação gradual das condições de emprego e o mau desempenho da indústria. Segundo os últimos dados, a produção industrial encolheu 1,1% em 2019. O recuo foi grande na atividade mineral, mas vários setores da indústria de transformação também produziram menos que em 2018. O volume diminuiu em 7 dos 15 locais cobertos pela pesquisa do IBGE. Além disso, dados preliminares apontam investimento abaixo do esperado em bens de produção e construções.

A capacidade ociosa da economia – desemprego elevado e subutilização de máquinas, equipamentos e instalações – tem sido apontada como um dos pontos de referência para as decisões de corte de juros. Com muita mão de obra disponível e bens de produção sobrando, a economia deve ter espaço para absorver os estímulos e crescer por algum tempo sem risco de pressões inflacionárias. Esse argumento foi ainda considerado na última reunião do Copom. A ata menciona o risco, citado em várias outras ocasiões, de uma inflação abaixo da trajetória esperada por causa da ampla ociosidade.

Mas há dúvidas também sobre a ociosidade. O rápido recuo da inflação, depois do choque dos preços das carnes, indica uma folga ampla, segundo alguns membros do Copom. Outros consideram a hipótese de uma ociosidade menor que a medida pelos métodos tradicionais. Seria preciso, segundo argumentam, levar em conta também possíveis efeitos da longa recessão no parque produtivo. Mais que uma parada para conferir os efeitos do corte de juros, a interrupção anunciada pode servir para um reexame das condições de uma economia ainda frágil. É uma incerteza incomum, talvez inédita, na história do Copom. Mas é um sinal de seriedade, um exemplo para boa parte do governo.
 Editorial  - O Estado de S. Paulo 


domingo, 16 de julho de 2017

A benigna deflação brasileira

Há, é certo, um efeito da profunda recessão no comportamento dos preços, mas o arrefecimento deles abre espaço para mais cortes nos juros, com vários reflexos positivos

Faz 23 anos do lançamento do Plano Real, quando chegou ao fim o longo ciclo de alta dos preços, culminando, como acontece nesses casos, num surto de hiperinflação. Há, portanto, jovens adultos brasileiros para quem fazer o máximo de compras no supermercado no dia do recebimento do salário, para preservar algum poder aquisitivo, é algo de um outro mundo.
 
Mas, para os atuais quarentões, vítimas e testemunhas da inflação sem controle e da subjugação dela, foi possível sentir a diferença entre os dois planetas. Sabem que a estabilização da moeda não tem preço, sem trocadilho. Os mais jovens também experimentaram, no final da experiência lulopetista, com Dilma Rousseff, a volta da inflação aos dois dígitos, numa conjugação maligna com recessão e desemprego. É uma mistura letal.

Entre os ingredientes da crise que defenestrou legalmente Dilma Rousseff do Planalto, o principal, a base jurídica do impeachment, foi a desobediência à Lei de Responsabilidade Fiscal, crime passível de punição com a perda do mandato. E assim foi. Um subproduto desta ilegalidade foi a inflação acima de 10%, enquanto a produção mergulhava.

A rejeição a Dilma confirmou que inflação baixa passara a ser patrimônio da sociedade. Espera-se que, enfim, haja sido exorcizado o venenoso preceito “desenvolvimentista” de que um pouco de inflação é bom, para permitir algum desenvolvimento. Pecado mortal, mais ainda numa economia como a brasileira, ainda intoxicada de indexação.

Dentro deste panorama, a deflação de 0,23% em junho, a primeira em 11 anos e a maior em quase duas décadas, foi bem-vinda. Nem toda deflação é boa notícia. Quando se torna crônica, como durante duas décadas no Japão, provoca tantos ou mais estragos que uma hiperinflação: a população adia o consumo à espera de preços mais baixos, a produção (PIB) cai, o lucro das empresas encolhe, como se tudo estivesse sendo tragado pelo buraco negro da queda de preços.

Na deflação brasileira inexiste qualquer fator de uma crise dessas. Há, é certo, um efeito da histórica recessão por que o país passou — cerca de 8% em dois anos, pelos erros lulopetistas.  Porém, preponderou o reflexo de uma safra recorde sobre os preços dos alimentos —, em junho, queda de 0,93%. Somem-se um corte médio de 5,52% nas tarifas de energia, devido à troca de bandeira, eo arrefecimento de preços de combustíveis, conectados ao mercado internacional, devido à nova política da Petrobras de realismo tarifário.

Esta deflação permite, ainda, que o Banco Central mantenha a tendência de corte de juros, o que estimula consumo e investimentos, além de ajudar no ajuste fiscal. Outro vento favorável é que, pela regra do teto de gastos, as despesas primárias do ano que vem só poderão aumentar 3%, um índice civilizado. A crise política é um freio forte na economia. Mas a conjuntura econômica pode, em alguma medida, compensar efeitos negativos.

Fonte: O Globo - Editorial