Novidade acende alerta sobre manipulação do eleitor
em sites de busca e redes sociais
A
permissão de propaganda política paga na internet por meio de
“impulsionamento de conteúdos” na campanha de 2018 vai provocar uma
revolução no marketing das campanhas, mas também abrirá um campo de incertezas
para a Justiça Eleitoral e ocorre num contexto de polêmicas
internacionais sobre o uso das redes sociais e das “fake news” para
influenciar as eleições nos Estados Unidos, na França e na Alemanha.
Embora a
ampliação do papel da internet para propaganda eleitoral seja apontada como
instrumento importante para a democratização da disputa eleitoral, também há
dúvidas sobre o efeito danoso que ela pode ter na distorção do debate político.
No Brasil, os candidatos podiam fazer sites e postagens nas redes sociais pelos
perfis oficiais da campanha. Porém, não podiam pagar por propagandas na web,
nem mesmo fazer publicidade em plataformas de redes sociais, como Facebook e
Twitter, e mecanismos de busca, como o Google. Muito menos pagar para que suas
postagens atingissem um número maior de usuários.
Com a
aprovação das novas regras eleitorais para 2018, as campanhas poderão
“impulsionar” conteúdos publicitários nas redes sociais e nos mecanismos de
busca, desde que essas postagens patrocinadas sejam financiadas por partidos,
coligações ou o próprio candidato. A lei só permite propaganda positiva da
candidatura, impedindo ataques aos adversários.
A Justiça
Eleitoral ainda vai definir exatamente que tipo de postagem de cunho eleitoral
pode ser turbinada em redes sociais mediante pagamento, o chamado
“impulsionamento”. As próprias plataformas de redes sociais e de busca aguardam
a regulamentação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para cumprir as regras da
eleição brasileira. O ministro Tarcísio Vieira, do TSE, disse ao GLOBO que a
tendência é que a resolução para tratar do tema seja aprovada até dezembro. — A gente
ainda não tem essa definição. Eventualmente, pode-se até ter uma regra de
transição, fazendo-se dessa eleição uma espécie de piloto para depois avaliar
os resultados negativos e positivos e ir ajustando isso, como parece ser o
espírito da resolução — disse o ministro.
PATROCÍNIO
PARA AMPLIAR HORIZONTE
As
ferramentas para a propaganda permitirão aos candidatos buscar eleitores fora
de suas esferas de atuação ou da sua base eleitoral mais direta. Também será
possível ganhar relevância pelos mecanismos de busca com links patrocinados por
palavras-chaves.
— No
Facebook, por exemplo, quem curte a sua página ou costuma interagir com seus
posts será normalmente impactado por novos posts, mas quem não o faz
dificilmente veria uma publicação sua. Com o impulsionamento, você pode buscar
novos interlocutores, mostrando ideias e propostas — explica o gerente de
projetos digitais da Benjamin Digital, Daniel Sampaio de Almeida.
As
empresas já fazem isso. Elas segmentam a promoção de um produto por idade,
faixa etária, localização, hábitos de consumo e até pelo comportamento dos
consumidores na internet. As plataformas não permitem saber quem acessou uma
campanha publicitária, mas fornecem dados detalhados do alcance que uma
estratégia publicitária teve. Tudo isso por muito menos dinheiro do que é gasto
com uma propaganda na TV. Poder medir o sucesso de um impulsionamento, em horas,
será valioso para os candidatos, que poderão ajustar o discurso.
Almeida,
porém, diz que a internet ainda não substituirá integralmente o poder da TV na
campanha eleitoral. É o que se viu nos Estados Unidos.
RISCO DE
USO DE PROPAGANDA NEGATIVA
A proibição
para propaganda negativa prevista na legislação brasileira é baseada nas
experiências malsucedidas do cenário internacional, onde as redes sociais
serviram como campo fértil para ataques políticos, muitos deles usando perfis
falsos associados a sites que produzem “fake news”. Nos Estados Unidos, o
Congresso investiga o envolvimento de agentes russos na campanha presidencial
vencida por Donald Trump. Lá, o impulsionamento de notícias falsas e
publicidade negativa teria sido usado pelos russos para influenciar o voto a
favor de Trump.
O Google
admitiu recentemente que pode ter recebido cerca de US$ 100 mil por anúncios
provenientes da Rússia. O Facebook informou, em setembro, que cerca de três mil
anúncios foram comprados por agentes russos durante a campanha, enquanto o
Twitter informou ter fechado 201 contas que tinham ligação com agentes russos.
Para o professor de estudos da comunicação da Universidade de Michigan, Josh
Pasek, é difícil mensurar o impacto definitivo da atuação russa nas eleições
americanas. — É claro
que sites como Facebook e Twitter desempenham um papel importante, e a
informação que flui sobre esses canais pode impactar os resultados. A diferença
entre os resultados nas recentes eleições dos EUA em muitos estados foi
suficientemente pequena para fazer com que esse impacto seja considerado —
afirmou Pasek.
A
incapacidade da Justiça Eleitoral para mapear todos os conteúdos, agir a tempo
de tirá-los do ar antes que provoquem reações nos eleitores e julgar, sem
condenar a liberdade de expressão, é o principal dilema da disputa brasileira
na internet. — A nossa
Constituição, ao tratar da liberdade de expressão, veda o anonimato. E o grande
problema das redes sociais hoje em meio às “fake news” é a gente identificar as
pessoas que estão por trás das propagandas negativas. O esforço do Legislativo
foi para que a gente não fique navegando sem bússola nesses mares revoltos.
Mas, num primeiro momento, a gente tem a impressão de que está se abrindo a
caixa de Pandora. Esse cenário é incontrolável — reconheceu Tarcísio Vieira.
Executivo
da BigData, empresa especializada em colher e analisar informações na rede,
Thoran Rodrigues, alerta ainda para o desconhecimento geral das pessoas sobre o
funcionamento dos impulsionamentos e a dificuldade para identificar o que é uma
propaganda paga nas redes sociais. —
Empresas de segurança já apresentaram estudos mostrando que por US$ 10 se
compram até mil contas com perfis falsos. Em grande escala isso influencia o
debate político — explicou Rodrigues.
Depois
dos episódios recentes, as plataformas de redes sociais e de mecanismos de
busca têm tentado aperfeiçoar seus algorítmicos para reduzir a atuação de robôs
e dar menos relevância a conteúdos provenientes de sites de “fake news” ou de
perfis falsos. O Facebook, por exemplo, estreou na campanha eleitoral alemã uma
ferramenta que levava o usuário a receber informações que se opunham ao ponto
de vista dos posts mais clicados.
Ainda não se sabe se essa ferramenta será
aplicada no Brasil. Ao GLOBO,
a rede social informou que “expandir” o debate eleitoral nas plataformas é
“positivo para todos”: “As pessoas vêm ao Facebook para falar de temas que são
importantes para elas, incluindo a política, e queremos ter certeza de que
nossa plataforma é boa para a democracia. Estamos trabalhando para fortalecer a
integridade eleitoral em todo o mundo, removendo contas falsas e cooperando com
autoridades eleitorais a respeito de temas como segurança on-line. Esperamos
tomar medidas também no Brasil antes das eleições de 2018”, disse um porta-voz
da rede social.
Fonte: O Globo