O risco dos testes de novas drogas
A
tragédia francesa é similar a outra, que aconteceu em Londres, em 2006. Estamos fazendo o que podemos para preservar os voluntários?
A notícia da morte cerebral de um voluntário que testava um
novo medicamento na
França coloca em evidência um assunto incômodo: como garantir a segurança de quem testa drogas
que, no futuro, beneficiarão a todos nós? Além do voluntário, outros cincos
foram hospitalizados em um hospital na cidade de Rennes, depois de participar
de um estudo clínico de um
novo analgésico, derivado da maconha. Os voluntários foram
internados após participar da primeira etapa clínica da droga testada pela
empresa Biotrial, especializada em conduzir esse tipo de estudo para a
indústria farmacêutica. A informação
veio a tona nesta sexta-feira, dia 15, e o teste foi suspenso.
As exigências relacionadas às
pesquisas clínicas, que
garantem a segurança e a eficácia dos medicamentos que usamos, nunca foram tão grandes. Ainda sim, não eliminam os riscos.
Em países da Europa, onde aconteceu o incidente, nos Estados Unidos e no
Brasil, inclusive, as drogas passam por estudos pré-clínicos, feitos no
laboratório em células e em animais, antes de passarem por mais três fases de
pesquisa até serem aprovadas e chegarem ao mercado (onde continuam sob monitoramento do fabricante, em busca de outros
efeitos colaterais e interações medicamentosas não detectadas nas etapas
anteriores). Após os estudos pré-clínicos, a fase I é feita em
pessoas saudáveis e as fases II e III em pacientes com a condição a que a droga
se destina a tratar.
>> O que não
está escrito na bula
Todas essas etapas são aprovados por comitês de ética, que zelam pelo cumprimento de regras que garantam a segurança dos voluntários que aceitam participar dos testes. Nos EUA e na Europa, é comum que os voluntários saudáveis sejam remunerados pelo tempo que dispuseram a gastar para testar a droga. No Brasil, uma mudança de 2013 na legislação que rege as pesquisas clínicas passou a permitir a remuneração de voluntários sadios, mas não determina os critérios de pagamento. Por mais que exista a vigilância para garantir a segurança dos voluntários, há riscos importantes a que eles se expõem, o que torna ainda mais delicado o fato de eles serem remunerados. É possível - provável, na verdade - que muitos aceitem correr riscos apenas porque precisam do dinheiro. É uma questão incômoda para a qual a bioética ainda tem poucas respostas.
O melhor que se pode fazer é reduzir ao máximo qualquer risco a que esses voluntários, chamados sujeitos de pesquisa, possam correr. Logo após a revelação da morte cerebral do voluntário francês, especialistas vieram a público ressaltar um fato constrangedor: não estamos fazendo tudo o que poderíamos. Pelo menos é o que a recente tragédia francesa, semelhante a um evento anterior na Inglaterra, em 2006, atesta. Desde então, muito pouco mudou, apesar das recomendações elaboradas por uma comissão de especialistas organizada pelo governo britânico.
Em 2006, seis voluntários - até então saudáveis - foram internados em um hospital, em Londres, com disfunção múltipla dos órgãos. Eles haviam participado da primeira etapa clínica de um agente, então chamado TGN1412, destinado a tratar um tipo de leucemia e artrite reumatoide. Poucos minutos após receber a droga, os voluntários começaram a apresentar sintomas que evoluíram para o colapso dos órgãos. Após meses no hospital, todos receberam alta, mas a avaliação dos médicos indicava que eles sofreriam consequências pelo resto da vida. O sistema de defesa do corpo havia sido alterado de maneira, aparentemente, permanente.
As investigações revelaram que o agente em teste, quando no organismo humano, teve uma resposta totalmente diferente da observada em animais de laboratório. A comissão de especialistas do governo britânico afirmou que não havia muito o que fazer para prever esse efeito inesperado. Todas as normas haviam sido seguidas. Críticos afirmaram que usar, simultaneamente, em seis pessoas um medicamento nunca testado em humanos fora arriscado demais. O ideal seria usar em uma pessoa e ir expandindo o teste. Mas quem seria o sorteado? É outra questão bioética complicada e sem resposta.
Todas essas etapas são aprovados por comitês de ética, que zelam pelo cumprimento de regras que garantam a segurança dos voluntários que aceitam participar dos testes. Nos EUA e na Europa, é comum que os voluntários saudáveis sejam remunerados pelo tempo que dispuseram a gastar para testar a droga. No Brasil, uma mudança de 2013 na legislação que rege as pesquisas clínicas passou a permitir a remuneração de voluntários sadios, mas não determina os critérios de pagamento. Por mais que exista a vigilância para garantir a segurança dos voluntários, há riscos importantes a que eles se expõem, o que torna ainda mais delicado o fato de eles serem remunerados. É possível - provável, na verdade - que muitos aceitem correr riscos apenas porque precisam do dinheiro. É uma questão incômoda para a qual a bioética ainda tem poucas respostas.
O melhor que se pode fazer é reduzir ao máximo qualquer risco a que esses voluntários, chamados sujeitos de pesquisa, possam correr. Logo após a revelação da morte cerebral do voluntário francês, especialistas vieram a público ressaltar um fato constrangedor: não estamos fazendo tudo o que poderíamos. Pelo menos é o que a recente tragédia francesa, semelhante a um evento anterior na Inglaterra, em 2006, atesta. Desde então, muito pouco mudou, apesar das recomendações elaboradas por uma comissão de especialistas organizada pelo governo britânico.
Em 2006, seis voluntários - até então saudáveis - foram internados em um hospital, em Londres, com disfunção múltipla dos órgãos. Eles haviam participado da primeira etapa clínica de um agente, então chamado TGN1412, destinado a tratar um tipo de leucemia e artrite reumatoide. Poucos minutos após receber a droga, os voluntários começaram a apresentar sintomas que evoluíram para o colapso dos órgãos. Após meses no hospital, todos receberam alta, mas a avaliação dos médicos indicava que eles sofreriam consequências pelo resto da vida. O sistema de defesa do corpo havia sido alterado de maneira, aparentemente, permanente.
As investigações revelaram que o agente em teste, quando no organismo humano, teve uma resposta totalmente diferente da observada em animais de laboratório. A comissão de especialistas do governo britânico afirmou que não havia muito o que fazer para prever esse efeito inesperado. Todas as normas haviam sido seguidas. Críticos afirmaram que usar, simultaneamente, em seis pessoas um medicamento nunca testado em humanos fora arriscado demais. O ideal seria usar em uma pessoa e ir expandindo o teste. Mas quem seria o sorteado? É outra questão bioética complicada e sem resposta.
O mais curioso é que a droga continuou a ser
testada após o evento adverso, mas por uma empresa russa que comprou os
direitos da empresa alemã TGenero Immuno, que realizara os primeiros testes e
foi à falência após o incidente. A fase II do estudo clínico começou em junho
deste ano e a dose testada será muito menor, cerca de 0,1% do que os primeiros
voluntários receberam.
Com a tragédia recente do
laboratório francês Biotrial, ficou claro que quase nada mudou na área desde 2006. No relatório, divulgado no mesmo
ano da tragédia, os especialistas britânicos ressaltaram que todos os dados dos
estudos pré-clínicos deveriam ser publicados abertamente, para que
pesquisadores independentes tivessem acesso. Essa é uma reivindicação já há
alguns anos de um movimento cada vez mais vocal na Europa. O AllTrials, encabeçado pelo psiquiatra britânico Ben Goldacre,
quer que todos os dados de novas drogas e até de medicamentos já à venda sejam
divulgados publicamente.
É uma maneira de permitir que pesquisadores
independentes reavaliem as informações descobertas pelas empresas que
desenvolvem medicamentos e que podem ser convenientemente escondidas para
apressar a entrada no mercado de uma nova droga. A publicação de estudos que
deram errado - como é o caso do realizado
em 2006 na Inglaterra e da droga francesa - também são fundamentais. Frequentemente, eles são engavetados e
nunca chegam a ser divulgados, o que aumenta o risco de que algum outro
grupo cometa o mesmo erro.
Para entender mais sobre a importância da transparência na pesquisa clínica, leia a reportagem que ÉPOCA publicou sobre as informações que não estão escritas na bula dos medicamentos.
Para entender mais sobre a importância da transparência na pesquisa clínica, leia a reportagem que ÉPOCA publicou sobre as informações que não estão escritas na bula dos medicamentos.
Fonte: Revista ÉPOCA