Opinião
Há plano, mas não vacina; Bolsonaro e Doria agora disputam seringas e agulhas
Andou bem o Supremo Tribunal Federal ao liberar a obrigatoriedade da vacinação contra a Covid-19. Em pauta estava o interesse comum na saúde pública, que se sobrepõe à liberdade individual, e por isso igualmente acertou o plenário ao autorizar restrições para quem recusar imunização.
[IMPERIOSO destacar: o Governo Federal é acusado de não ter comprado a vacina contra a covid-19. Os acusadores, os = inimigos do Brasil = arautos do pessimismo, 'esquecem' que desde o surgimento das primeiras perspectivas de vacina, que várias ações judiciais foram movidas visando ocupar o Poder Executivo com o processo de defesa e com isto impedindo qualqeur planejamento para compra da vacina.
Foi priorizado a apresentação de um plano de vacinação sem se conhecer qual vacina seria utilizada - a maior parte das ações judiciais colocava no páreo dos possíveis fornecedores imunizantes bem heterogêneos, impondo a participação de todos os cogitados, ainda que naquela ocasião a segurança e eficácia de alguns não estivessem comprovadas.
Foi em tal situação que o governo foi compelido a apresentar um plano de imunização desconhecendo o principal do plano = qual vacina seria utilizada. Peculiaridades dos imunizantes faz que para alguns haja necessidade de -70ºC, outros alguns graus abaixo de 0º. Enquanto planejava sobre como fazer o desconhecido o Ministério da Saúde não encontrou tempo para cuidar da compra/reserva da vacina.
NÃO HÁ, até o presente momento, nenhuma determinação judicial para que essa ou aquela vacina seja comprada/reservada.]
Os obstáculos maiores se erguem alhures, do outro lado da praça dos Três Poderes. Mesmo que o Ministério da Saúde se penitencie, volta e meia, pelos disparates e fracassos logísticos do general Eduardo Pazuello, o presidente Jair Bolsonaro se encarrega de turvar as águas dia sim e outro também.
Entre as últimas investidas estultas, Bolsonaro recorreu a um truísmo para arremeter contra a vacinação: faltarão doses ao longo de 2021 para imunizar toda a população, portanto não haverá como governadores e prefeitos imporem medidas restritivas a seus concidadãos, como permitiu o STF.
Faltou o presidente reconhecer que a culpa pela imprevidência é sua, antes de mais ninguém, e depois de seu ministro da Saúde. É o cúmulo da desfaçatez argumentar com o resultado da própria incompetência em cumprir um dever sanitário básico —sem nada dizer da sabotagem flagrante— para criticar quem tenta trilhar o caminho correto.
O esforço do presidente para confundir vacina obrigatória com compulsória, ou forçada, representa só mais um arranque em sua cruzada contra a ciência e a razão. Ninguém seria nem será arrastado de casa para receber uma injeção coercitiva —nem correria ou correrá o risco, muito menos, de transformar-se num jacaré, como disse o irrefreável Bolsonaro.
O poder público, se bem-intencionado, tem instrumentos melhores para induzir as pessoas a se imunizar, mesmo que persistam dúvidas infundadas sobre segurança. Uma maneira civilizada seria condicionar o acesso a serviços oficiais —como emissão de documentos, ou matrículas de ensino— a uma prova de vacinação.
Prossegue a picuinha de Bolsonaro com o governador paulista, João Doria (PSDB), provável concorrente eleitoral em 2022. Na contenda, empenham-se saúde e vida dos brasileiros. Agora Planalto e Bandeirantes disputam seringas e agulhas; pipocam rumores de que o ministério poderia confiscar a vacina Coronavac antes desdenhada.
Já que os dois lados não trabalham juntos, como seria o ideal, ao menos o vencedor dessa guerra pode ser o cidadão brasileiro, na medida em que São Paulo vai forçando Brasília a se mover. EUA e Europa já iniciam a vacinação; no Brasil, se Bolsonaro e Pazuello ficarem calados e enfim trabalharem pelo bem comum, com sorte ela virá em fevereiro ou março.
Opinião - Folha de S. Paulo