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sábado, 19 de dezembro de 2020

Confusão sem fim - Folha de S. Paulo

Opinião

Há plano, mas não vacina; Bolsonaro e Doria agora disputam seringas e agulhas

Andou bem o Supremo Tribunal Federal ao liberar a obrigatoriedade da vacinação contra a Covid-19. Em pauta estava o interesse comum na saúde pública, que se sobrepõe à liberdade individual, e por isso igualmente acertou o plenário ao autorizar restrições para quem recusar imunização.

[IMPERIOSO destacar: o Governo Federal é acusado de não ter comprado a vacina contra a covid-19. Os acusadores, os = inimigos do Brasil = arautos do pessimismo, 'esquecem' que desde o surgimento das primeiras perspectivas de vacina, que várias ações judiciais foram movidas visando ocupar o Poder Executivo com o processo de defesa e com isto impedindo qualqeur planejamento para compra da vacina. 

Foi priorizado a apresentação de um plano de vacinação sem se conhecer qual  vacina seria utilizada - a maior parte das ações judiciais colocava no páreo dos possíveis fornecedores imunizantes bem heterogêneos, impondo a participação de todos os cogitados, ainda que naquela ocasião a segurança e eficácia de alguns não estivessem comprovadas.

Foi em tal situação que o governo foi compelido a apresentar um plano de imunização desconhecendo o principal do plano = qual vacina seria utilizada. Peculiaridades dos imunizantes faz que para alguns haja necessidade de  -70ºC, outros alguns graus abaixo de 0º. Enquanto planejava sobre como fazer o desconhecido o Ministério da Saúde não encontrou tempo para cuidar da compra/reserva da vacina.

NÃO HÁ, até o presente momento, nenhuma determinação judicial para que essa ou aquela vacina seja comprada/reservada.]

Os obstáculos maiores se erguem alhures, do outro lado da praça dos Três Poderes. Mesmo que o Ministério da Saúde se penitencie, volta e meia, pelos disparates e fracassos logísticos do general Eduardo Pazuello, o presidente Jair Bolsonaro se encarrega de turvar as águas dia sim e outro também.

Entre as últimas investidas estultas, Bolsonaro recorreu a um truísmo para arremeter contra a vacinação: faltarão doses ao longo de 2021 para imunizar toda a população, portanto não haverá como governadores e prefeitos imporem medidas restritivas a seus concidadãos, como permitiu o STF.

Faltou o presidente reconhecer que a culpa pela imprevidência é sua, antes de mais ninguém, e depois de seu ministro da Saúde. É o cúmulo da desfaçatez argumentar com o resultado da própria incompetência em cumprir um dever sanitário básico —sem nada dizer da sabotagem flagrante— para criticar quem tenta trilhar o caminho correto.

O esforço do presidente para confundir vacina obrigatória com compulsória, ou forçada, representa só mais um arranque em sua cruzada contra a ciência e a razão. Ninguém seria nem será arrastado de casa para receber uma injeção coercitiva —nem correria ou correrá o risco, muito menos, de transformar-se num jacaré, como disse o irrefreável Bolsonaro.

O poder público, se bem-intencionado, tem instrumentos melhores para induzir as pessoas a se imunizar, mesmo que persistam dúvidas infundadas sobre segurança. Uma maneira civilizada seria condicionar o acesso a serviços oficiais —como emissão de documentos, ou matrículas de ensino— a uma prova de vacinação.

Prossegue a picuinha de Bolsonaro com o governador paulista, João Doria (PSDB), provável concorrente eleitoral em 2022. Na contenda, empenham-se saúde e vida dos brasileiros. Agora Planalto e Bandeirantes disputam seringas e agulhas; pipocam rumores de que o ministério poderia confiscar a vacina Coronavac antes desdenhada.

Já que os dois lados não trabalham juntos, como seria o ideal, ao menos o vencedor dessa guerra pode ser o cidadão brasileiro, na medida em que São Paulo vai forçando Brasília a se mover. EUA e Europa já iniciam a vacinação; no Brasil, se Bolsonaro e Pazuello ficarem calados e enfim trabalharem pelo bem comum, com sorte ela virá em fevereiro ou março.

Opinião - Folha de S. Paulo 

 


sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Analgésico derivado da maconha é testado na França e causa morte cerebral em um voluntário e deixa mais cinco doentes



O risco dos testes de novas drogas
A tragédia francesa é similar a outra, que aconteceu em Londres, em 2006. Estamos fazendo o que podemos para preservar os voluntários? 

A notícia da morte cerebral de um voluntário que testava um novo medicamento na França coloca em evidência um assunto incômodo: como garantir a segurança de quem testa drogas que, no futuro, beneficiarão a todos nós? Além do voluntário, outros cincos foram hospitalizados em um hospital na cidade de Rennes, depois de participar de um estudo clínico de um novo analgésico, derivado da maconha. Os voluntários foram internados após participar da primeira etapa clínica da droga testada pela empresa Biotrial, especializada em conduzir esse tipo de estudo para a indústria farmacêutica. A informação veio a tona nesta sexta-feira, dia 15, e o teste foi suspenso.

As exigências relacionadas às pesquisas clínicas, que garantem a segurança e a eficácia dos medicamentos que usamos, nunca foram tão grandes. Ainda sim, não eliminam os riscos. Em países da Europa, onde aconteceu o incidente, nos Estados Unidos e no Brasil, inclusive, as drogas passam por estudos pré-clínicos, feitos no laboratório em células e em animais, antes de passarem por mais três fases de pesquisa até serem aprovadas e chegarem ao mercado (onde continuam sob monitoramento do fabricante, em busca de outros efeitos colaterais e interações medicamentosas não detectadas nas etapas anteriores). Após os estudos pré-clínicos, a fase I  é feita em pessoas saudáveis e as fases II e III em pacientes com a condição a que a droga se destina a tratar.

>> O que não está escrito na bula

Todas essas etapas são aprovados por comitês de ética, que zelam pelo cumprimento de regras que garantam a segurança dos voluntários que aceitam participar dos testes. Nos EUA e na Europa, é comum que os voluntários saudáveis sejam remunerados pelo tempo que dispuseram a gastar para testar a droga. No Brasil, uma mudança de 2013 na legislação que rege as pesquisas clínicas passou a permitir a remuneração de voluntários sadios, mas não determina os critérios de pagamento. Por mais que exista a vigilância para garantir a segurança dos voluntários, há riscos importantes a que eles se expõem, o que torna ainda mais delicado o fato de eles serem remunerados. É possível - provável, na verdade - que muitos aceitem correr riscos apenas porque precisam do dinheiro. É uma questão incômoda para a qual a bioética ainda tem poucas respostas.

O melhor que se pode fazer é reduzir ao máximo qualquer risco a que esses voluntários, chamados sujeitos de pesquisa, possam correr. Logo após a revelação da morte cerebral do voluntário francês, especialistas vieram a público ressaltar um fato constrangedor: não estamos fazendo tudo o que poderíamos. Pelo menos é o que a recente tragédia francesa, semelhante a um evento anterior na Inglaterra, em 2006, atesta. Desde então, muito pouco mudou, apesar das recomendações elaboradas por uma comissão de especialistas organizada pelo governo britânico.

Em 2006, seis voluntários - até então saudáveis - foram internados em um hospital, em Londres, com disfunção múltipla dos órgãos. Eles haviam participado da primeira etapa clínica de um agente, então chamado TGN1412, destinado a tratar um tipo de leucemia e artrite reumatoide. Poucos minutos após receber a droga, os voluntários começaram a apresentar sintomas que evoluíram para o colapso dos órgãos. Após meses no hospital, todos receberam alta, mas a avaliação dos médicos indicava que eles sofreriam consequências pelo resto da vida. O sistema de defesa do corpo havia sido alterado de maneira, aparentemente, permanente.

As investigações revelaram que  o agente em teste, quando no organismo humano, teve uma resposta totalmente diferente da observada em animais de laboratório. A comissão de especialistas do governo britânico afirmou que não havia muito o que fazer para prever esse efeito inesperado. Todas as normas haviam sido seguidas. Críticos afirmaram que usar, simultaneamente, em seis pessoas um medicamento nunca testado em humanos fora arriscado demais. O ideal seria usar em uma pessoa e ir expandindo o teste. Mas quem seria o sorteado? É outra questão bioética complicada e sem resposta.  

O mais curioso é que a droga continuou a ser testada após o evento adverso, mas por uma empresa russa que comprou os direitos da empresa alemã TGenero Immuno, que realizara os primeiros testes e foi à falência após o incidente. A fase II do estudo clínico começou em junho deste ano e a dose testada será muito menor, cerca de 0,1% do que os primeiros voluntários receberam.

Com a tragédia recente do laboratório francês Biotrial, ficou claro que quase nada mudou na área desde 2006. No relatório, divulgado no mesmo ano da tragédia, os especialistas britânicos ressaltaram que todos os dados dos estudos pré-clínicos deveriam ser publicados abertamente, para que pesquisadores independentes tivessem acesso. Essa é uma reivindicação já há alguns anos de um movimento cada vez mais vocal na Europa. O AllTrials, encabeçado pelo psiquiatra britânico Ben Goldacre, quer que todos os dados de novas drogas e até de medicamentos já à venda sejam divulgados publicamente. 

É uma maneira de permitir que pesquisadores independentes reavaliem as informações descobertas pelas empresas que desenvolvem medicamentos e que podem ser convenientemente escondidas para  apressar a entrada no mercado de uma nova droga. A publicação de estudos que deram errado - como é o caso do realizado em 2006 na Inglaterra e da droga francesa - também são fundamentais. Frequentemente, eles são engavetados e nunca chegam a ser divulgados, o que aumenta o risco de que algum outro grupo cometa o mesmo erro.

Para entender mais sobre a importância da transparência na pesquisa clínica, leia a reportagem que ÉPOCA publicou sobre
as informações que não estão escritas na bula dos medicamentos.

Fonte: Revista ÉPOCA