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domingo, 8 de julho de 2018

O STF erra até quando acerta

Se o tribunal não constrói padrões decisórios estáveis, fica liberado para decidir o que bem entender no dia seguinte 

Perdemos o respeito pelo STF. Nós e seus próprios ministros. Esse movimento de insubordinação não se deve a qualquer vocação iconoclasta da cultura jurídica brasileira, mas ao aprofundamento de práticas ruinosas demais para ignorar. A metáfora das “11 ilhas” perdeu capacidade de descrever a dinâmica de trabalho do tribunal, que deixou de ser governado pelo individualismo displicente e passou a se reger por um individualismo de trincheira. Aumentou, portanto, seu grau de autodestrutividade. Como observou Felipe Recondo (Jota), na “geopolítica atual do STF, há 11 Estados soberanos”. Esses Estados formam alianças contra inimigos, declaram guerra, firmam acordos de tolerância mútua. No horizonte, nenhum sinal de pacificação.

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A perda de respeito se nota pela virulência das novas metáforas e novos termos do jornalismo. Quando se afirma que o comportamento do tribunal é “neurótico”, que suas decisões são uma “roleta” e que a segurança jurídica se transformou em “chacrinha”; que o tribunal é um “transatlântico que se move em círculos”, à deriva, com “tripulação amotinada”; que o “ambiente de guerrilha pulveriza a supremacia da Corte”, que estaria “indo para o brejo”, há sinal de que o alarme toca.

Achávamos, anos atrás, que o problema central do Supremo estava na proliferação de votos individuais nas decisões colegiadas, cada um com seu próprio critério e sem nenhum diálogo. Sem fundamentos comuns, impede-se a construção de previsibilidade e de jurisprudência. Outro problema que saltava aos olhos e inspirou modestas reformas é a sobrecarga de trabalho. Ambas as coisas — fragmentação de votos e sobrecarga — são muito funcionais ao tribunal, pois servem de pretexto para justificar o arbítrio.  Num oceano de decisões divergentes sobre os mesmos assuntos, não há pressão por coerência. É artifício de autoempoderamento.

As práticas anti-institucionais dos ministros, contudo, são ainda mais sofisticadas e combinam manipulação do tempo e do procedimento. Um ministro sozinho pode impedir, por prazo indeterminado, que o tribunal resolva um caso; pode também, quando relator, tomar uma decisão monocrática e obstruir o envio desse caso para julgamento colegiado. Um ministro relator, ao perceber que vai perder, pode tirar o caso da Turma e mandar para o plenário, sem explicação; [errado não é um ministro ter poder para enviar um caso para o Plenário - instância máxima da Corte Suprema; errado, desmoralizando do órgão máximo do STF e fator de insegurança jurídica, é o Plenário decidir sobre determinada matéria e um ministro, em decisão monocrática, não cumprir o que foi decidido pelo EXCELSO PLENÁRIO da Supremo Corte - gravíssimo é que recursos contra decisões do Plenário sejam acolhidos pela Suprema Corte.
Deveria constar do Texto Constitucional que qualquer decisão adotada com apoio da maioria do Plenário - fosse de 6 a 5 ou onze a zero - só poderia ser objeto de nova discussão no mínimo se a proposta de realizar tal reexame fosse aprovada pelo menos duas vezes pelo órgão colegiado máximo do STF., com um intervalo mínimo de seis meses entre cada votação da proposta.] pode também aproveitar a ausência anunciada de ministro opositor para colocar o caso em votação; pode, enfim, esperar ministro se aposentar, eleição ocorrer ou o Congresso se manifestar até devolver o caso e assim assegurar o resultado que lhe agrada. Eles podem violar regras de suspeição e impedimento, mesmo quando põem em risco a imagem da Corte. Esse poder é fruto de “acordos de cavalheiros”, “regras de fato”, não regras de direito.

A semana passada foi um exemplo dessa comédia de erros. Em geral, semanas que antecedem o recesso judicial — a última de junho e a penúltima de dezembro — são pródigas em decisões de impacto no apagar das luzes. Entre outras decisões polêmicas, a Segunda Turma do tribunal aceitou pedido de habeas corpus de condenados em segunda instância na Lava Jato, no propósito declarado de desafiar o plenário da Corte. Gilmar Mendes, para quem o Supremo está “voltando a ser Supremo” e resgatando “maior institucionalidade”, deu ao episódio mais um requinte de ironia surrealista.

Ministros teceram uma conjuntura em que importa menos saber se Lula, José Dirceu, Michel Temer ou Aécio Neves estão presos ou soltos por boas razões jurídicas do que saber que STF nos restará num futuro próximo. Na bagunça procedimental, o Supremo continua a errar até quando acerta. Eventual acerto no mérito de um caso significa pouco para o caso seguinte. Arbitrariedades procedimentais reduzem a confiabilidade e a autoridade daquela decisão acertada. É por essa razão que, em sua defesa, o STF não pode invocar sequer o punhado de boas decisões de mérito que tomou em favor dos direitos fundamentais e da democracia nos últimos anos. Sobre elas, paira a aura do arbítrio e do voluntarismo.

Época - Conrado Hubner Mendes