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segunda-feira, 1 de julho de 2019

50 anos da conquista da Lua

Foi uma proeza prodigiosa — e no entanto a TV era em preto e branco — e McLuhan ainda tinha o desplante de chamar o mundo de aldeia global



“Ariosto me ensinou que a duvidosa
Lua abriga os sonhos, o inapreensível,
O tempo que se perde, o possível
Ou o impossível, que é a mesma coisa.”

 Jorge Luis Borges, poema “A Lua”, (tradução de Josely Vianna Baptista)

Galileu Galilei apontou para a Lua seu portentoso telescópio, capaz de deixar os objetos trinta vezes mais perto, e assim a descreveu, em 1610: “(…) a superfície não é exatamente lisa, livre de desigualdades, nem exatamente esférica, como considera uma extensa escola de filósofos (….); pelo contrário, está repleta de irregularidades, é desigual, cheia de cavidades e protuberâncias, tal qual a superfície da Terra, diversa por toda parte, com montanhas elevadas e vales profundos”. O astronauta Neil Arm­strong, ao aproximar-­se de seu objetivo, com dois companheiros, a bordo da nave Apollo 11, em 1969, assim o descreveu: “De todas as espetaculares vistas que tivemos, a caminho da Lua, a mais impressionante ocorreu quando voávamos em sua sombra. Estávamos ainda a milhares de milhas de distância, mas próximos o suficiente para que a Lua cobrisse quase inteiramente o círculo de nossa janela. De nossa posição, ela eclipsava o Sol e uma coroa solar era visível em suas bordas, estendendo-se em largas faixas, na forma de um gigantesco pires de luz, ou gigantesca lente. A Lua propriamente dita era ainda mais impressionante. Como estávamos em sua sombra, não havia luz do Sol a iluminá-­la. Só a luz refletida da Terra. Com isso, ficava azul-acinzentada, e a cena toda parecia tridimensional”.

Galileu e Arm­strong têm em comum haver experimentado a um tempo as alegrias da descoberta científica e o deslumbramento pelo maravilhoso. É olhar para o céu, desde que o homem é homem, e não se mede qual a maior das perplexidades: se o espanto diante do mistério ou o desejo de decifrá-lo. “O silêncio eterno dos espaços infinitos me assusta”, escreveu Pascal, no mesmo século das descobertas de Galileu. O alemão Johannes Kepler, que conferiu rigor científico à tese heliocêntrica de Copérnico, descreveu seu trabalho como “uma perseguição suave e ofegante das pegadas do Criador”. Entre todos os corpos celestes, a Lua, o mais próximo de nós, é desde sempre repositório de crenças, motivo de fábulas e fonte de emoções. O quadro A Lua, de Tarsila do Amaral, que recentemente, adquirido por 20 milhões de dólares pelo MoMA, de Nova York, quebrou o recorde de preço de uma obra brasileira, representa nosso satélite com um simples traço de criança. Além da cheia, da nova, da minguante e da crescente, a Lua pode parecer um par de chifres solto no espaço, como a representou a artista. A Lua é inesgotável.
 

CRENÇA - Buzz Aldrin em foto tirada por Neil  Arm­strong, que aparece no visor do capacete: “Deus está conosco” (Foto/Nasa)


Em 20 de julho completam-se cinquenta anos do primeiro pouso do homem na superfície da Lua. Neil Arm­strong foi o primeiro a desembarcar do Eagle, o módulo lunar, e Edwin Aldrin, o segundo; o terceiro integrante da missão, Michael Collins, continuou em órbita, a bordo da nave-­mãe Columbia. Nave-mãe, módulo lunar, Eagle, Columbia: na época esses nomes se tornaram familiares como marcas de automóveis, identificados com uma proeza estrondosa. E no entanto a televisão ainda não era em cores, no Brasil, e os televisores, universalmente, eram de tubo. Computadores pessoais, smartphones, tablets — nem pensar. A nave-mãe e o módulo lunar, acoplados, compunham a Apollo 11.

Uma delicada operação de desacoplamento foi acompanhada pelos técnicos da Nasa, em Houston, no Texas, com a respiração suspensa. O módulo lunar, em vez de águia, mais parecia uma aranha, com suas gigantescas patas metálicas. Arm­strong pronunciou uma ensaiada e pomposa
frase: “Este é um pequeno passo para um homem, mas um grande passo para a humanidade”, e minutos depois fincou uma bandeira americana no solo lunar. Como na Lua não há vento, a bandeira, para ser vista, teve de ser esticada com um arame. No mesmo livro em que descreveu a bola circundada por uma moldura de fogo, deste modo ele relataria as primeiras sensações de estar com os pés no solo lunar:
“O céu é negro, muito negro. Ainda assim, parecia dia ao olharmos pelo nosso visor. É uma coisa muito peculiar, mas a superfície parecia muito quente e convidativa. A situação era como a de sair com um calção de banho para pegar um pouco de sol. Do visor, a superfície parecia bronzeada. Não sei a que atribuir isso, porque mais tarde, quando tive o material nas mãos, não era bronzeado de forma alguma. Era negro, cinza. É por algum tipo de efeito de luz que pelo visor a superfície parecia feita mais de areia do deserto do que de areia negra”.

Da realidade captada por Galileu em sua lente mágica, chegava-se à hiper-­realidade de sentir nas mãos a escura areia da Lua. É tudo tão prodigioso, tão futurista, e no entanto as cenas daqueles homens movendo-se em câmera lenta, em trajes brancos como os fantasmas das caricaturas, soam hoje tão passadistas, tão século XX, quanto as das paradas militares diante da cúpula soviética na Praça Vermelha, as de jovens chineses acenando com o livro de citações de Mao Tsé-tung, as das vítimas esqueléticas da guerra de Biafra e a da menina nua correndo da bomba de napalm no Vietnã. Em favor dos nascidos na virada do milênio, pede-se aos pais ou avós explicar-lhes cada um desses instantâneos. Era um mundo, meus jovens, em que um amador só tiraria fotos em viagem, ou num casamento em família. Uma pessoa não acumularia, na vida inteira, a quantidade de fotos que uma criança acumula hoje em um mês, no bojo copioso do celular da mãe. Escrevia-se em máquinas de escrever, movidas a um teclado barulhento e a um rolo no qual se introduzia uma folha de papel, mensagens escritas eram transmitidas por uma coisa chamada telex, ouvia-se música pondo um long-play na vitrola, liam-­se as notícias em jornais (ainda por cima de papel) e para culminar — pasmem! — ninguém sabia, fora os japoneses, o que era sushi.


                                     
O PASSADO DO FUTURO - O desembarque em solo lunar dos americanos (acima, o trio completo) foi visto pela televisão, em imagens com fantasmas, em preto e branco (Foto/Nasa)




Publicado em VEJA de 3 de julho de 2019, edição nº 2641