Apesar de o Executivo já ter anunciado que não pretende conceder aumento salarial no próximo ano, os servidores estão dispostos a lutar por reajustes
O 28 de outubro de 2019, data em que se comemora o Dia do Servidor,
será marcado por um clima de protestos, expectativas e perplexidade com
a profusão de normas, medidas provisórias e decretos do governo que
afetam o funcionalismo público. Apesar de o Executivo já ter anunciado
que não pretende conceder aumento salarial no próximo ano, os servidores
estão dispostos a lutar por reajustes.
Nos cálculos das entidades
sindicais, a estimativa de perda inflacionária para o carreirão (80% do
funcionalismo federal) é de 33%, índice que será reivindicado. As
carreiras de Estado vão brigar por, pelo menos, 10% de reajuste. A
diferença de índices é porque, em 2015, último acordo firmado, o
carreirão recebeu10,8% de correção, em duas parcelas, enquanto os demais
tiveram, em média, 27,9%, pagos em quatro parcelas.
Os sindicalistas reclamam que entregaram em abril passado as pautas
reivindicatórias ao Ministério da Economia, mas não tiveram retorno até
agora. O ministério, porém, informou que, de janeiro a outubro, teve 37
reuniões com sindicatos e associações de servidores. “Para se ter
clareza da relevância das reuniões, o grupo de entidades atendidas
representa mais de 500 mil servidores”, enfatizou a pasta, em nota. A
informação é contestada pelas entidades. Segundo a Confederação Nacional
dos Trabalhadores no Serviço Público (Condsef), houve inúmeros pedidos
de audiência, mas apenas cinco se concretizaram. O Fórum Nacional das
Carreiras de Estado (Fonacate) informou que teve apenas uma reunião em
janeiro.
Os servidores, porém, têm dado mostras
de que não se prepararam para a nova conjuntura de mudanças que o
governo quer promover. Eles se concentraram na luta — perdida — contra a
reforma da Previdência e, agora, correm contra o tempo para encarar a
prometida reforma administrativa. Mas estão divididos e não conseguem
lutar por interesses comuns. Basta ver que há duas frentes parlamentares
em defesa do servidor, uma na Câmara, ligada às carreiras de Estado, e
outra no Senado, do carreirão dos Três Poderes. E o Executivo, com
auxílio do Legislativo, impôs, desde a gestão de Michel Temer, pautas
que incluíam, por exemplo, a terceirização dos serviços públicos,
inclusive na atividade-fim (Lei nº 13.429/2017).
O
governo criou, ainda, um novo Código de Conduta para o funcionalismo.
Além disso, propõe o fim das licenças e das gratificações; redução do
número de carreiras para 20 ou 30 (hoje são 117, com mais de 2 mil
cargos); redução de jornada de trabalho com redução de salários e do
piso salarial de acesso ao serviço público; fim da estabilidade para
novos servidores, da progressão por tempo de serviço e do abono de
permanência; planos de demissão incentivada quer, ainda, servidores em
disponibilidade, em caso de extinção de órgãos, cargos e carreiras, e
ampliar a contratação temporária.
“Não
estávamos exatamente paralisados. Precisávamos esperar para ver nessa
nova conjuntura de destruição de valores o que aconteceria. Agora, já
temos uma visão clara dos objetivos do governo e vamos à luta”, destaca
Sérgio Ronaldo da Silva, secretário-geral da Condsef. Rudinei Marques,
presidente do Fonacate, admite que houve um momento de perplexidade.
“Era preciso saber o que o governo estava pesando. O cenário mudou. Em
várias medidas que aparentemente se destinavam ao mercado, como a MP
881/2019, da liberdade econômica, havia itens que afetavam as
atividades, por exemplo, de auditores-fiscais da Receita Federal e do
Trabalho. Surgiram outras que limitaram licença para capacitação, que
mudaram regras de conduta, entre outras. Ou seja, é fundamental estudar
esse pacote”, diz.
O
maior temor dos servidores é com a reforma administrativa. André
Martins, presidente da União dos Analistas Legislativos da Câmara dos
Deputados (Unalegis), afirma que o maior prejudicado com uma reforma
“precipitada e com uma visão simplória de corte de gastos imediatos será
o povo, ou seja, a esmagadora maioria dos brasileiros”. Ele admite que
há necessidade de melhorias nas áreas de saúde, segurança, educação e
combate à corrupção, por exemplo. “Se bem estudada e estruturada (a
reforma administrativa), podemos encarar o momento com outros olhos.
Talvez, como uma grande oportunidade de crescimento para nosso país.”
Um
tema sensível é o fim da estabilidade para novos servidores. Para
Martins, a expressão “fim da estabilidade” está sendo empregada de forma
errada e promocional. É preciso, segundo ele, uma mudança de perfil, “O
servidor precisa realmente sair da zona de conforto, de suas caixinhas
do conhecimento”, destaca.
Sérgio Ronaldo, da
Condsef, diz que, na prática, a estabilidade nunca existiu no setor
público. “Não é verdade que um servidor nunca pode ser mandado embora.
De 2003 até hoje, mais de 7.500 servidores foram exonerados”, afirma.
Existem processos administrativos que apuram se o servidor não cumpre
adequadamente suas funções. “A estabilidade é um importante instrumento
que assegura ao bom servidor uma proteção institucional para desenvolver
seu trabalho junto à sociedade. Abrir mão dessa prerrogativa é dar
margem a perseguições, exonerações sem qualquer explicação técnica”,
afirma.
Estudo
No
último dia 15, foi lançado o estudo “Reforma Administrativa do Governo
Federal: contornos, mitos e alternativas”, com dados que contestam
diversos pontos divulgados por autoridades do Executivo e do Legislativo
e até organizações internacionais, como o Banco Mundial. O levantamento
afirma que “a economia não vai crescer com reformas administrativa,
tributária e da Previdência, assim como não cresceu com a trabalhista ou
com as privatizações e concessões”.
Entre os
“erros grosseiros” do Banco Mundial, segundo Rudinei Marques, presidente
do Fonacate, está o cálculo do número de servidores em relação à
população. “O banco fala em 5,6%. No entanto, somos mais de 11%”,
afirma. O sindicalista diz, ainda, que a afirmação do Banco de que o
gasto com servidores é o segundo maior item isolado das despesas da
União “é indevida e descontextualizada”. “Indevida porque trata
igualmente e de forma aglutinada servidores civis, militares, ativos,
aposentados e pensionistas, cujos quantitativos e remunerações respondem
a lógicas e trajetórias distintas no tempo”, garantem os técnicos que
fizeram o estudo.
Há também o fato de que nem
sempre os estudiosos internacionais tomam o cuidado de esclarecer porque
o gasto com servidor é o segundo item da despesa primária, isto é,
desconsiderando o volume de juros da dívida pública. “A
descontextualização reside na apresentação do número sem qualquer
parâmetro de referência. ‘Gastam-se cerca de R$ 300 bilhões com pessoal,
e isso é muito’. Cabe a pergunta: muito em relação ao quê? Ou muito em
relação a quem?”, aponta o estudo.
Correio Braziliense - 27 outubro 2019