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terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Há um ruído entre o Supremo e as Forças Armadas - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo 

Novo foco político está no mal-estar entre militares e Supremo após Villas Bôas confirmar que mensagens no Twitter contra habeas corpus para Lula sair da prisão foram combinadas com o Alto Comando do Exército

Ruído entre STF e Forças Armadas, enquanto Bolsonaro se aproxima de antilavajatistas

O novo foco político está no mal-estar entre as Forças Armadas e o Supremo, após o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas confirmar, em livro-entrevista da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o que me disse em 4 de abril de 2018 e publiquei no Estadão: suas mensagens no Twitter contra um habeas corpus para o ex-presidente Lula sair da prisão não foram pessoais, foram combinadas com o Alto Comando do Exército.

Na reportagem, depois da forte repercussão à sua manifestação pelas redes sociais, ele me disse que a sua fala “expressa a posição do Alto Comando do Exército e é exclusivamente a da Força”. Ou seja, o general não foi ao Twitter por conta própria, e sim pelo Exército. [na condição de comandante do Exército o general Villas Bôas detinha a prerrogativa de falar em nome da Força. É algo tão óbvio que surpreende que jornalistas conceituados tentem maximizar algo que ocorreu há mais de dois anos.
A mensagem foi postada, o responsável pela postagem assume o que fez, o STF entendeu o alerta que,  por coincidência ou vontade da maioria dos ministros, resultou em decisão da Suprema Corte concordante com o postado, nada há a se fazer. 
O resto é fofoca.
O general Villas Bôas continua merecedor do respeito de todos os brasileiros e brasileiras - autoridades ou não - merecimento, ora aumentado com Justiça, tendo em conta a grave doença que o acomete.
Já passa da hora de respeitarem o general Eduardo Villas Bôas, tanto pelo sua brilhante trajetória no Exército Brasileiro, quanto  pela gravidade da doença da qual é portador.] Só fez uma ressalva: que não combinou com Aeronáutica e Marinha.”

No livro Villas Bôas: conversa com o comandante (Editora FGV, 2021, 244 págs), de Celso Castro, o general detalhou em setembro de 2019: “O texto teve um ‘rascunho’ elaborado pelo meu staff e pelos integrantes do Alto Comando residentes em Brasília. No dia seguinte, remetemos para os comandantes militares de área. Recebidas as sugestões, elaboramos o texto final, o que nos tomou todo expediente, até por volta das 20 horas, momento que liberei (para divulgação)”.

O Alto Comando reúne os generais-de-Exército, de quatro-estrelas, que chefiam as regiões militares e os principais departamentos e secretarias da Força. Foram eles quem produziram os dois textos que Villas Bôas publicou em 3/4/2018, véspera do julgamento do Supremo sobre manter ou não Lula preso – o que faria, como fez, toda a diferença na eleição presidencial, meses depois.

Primeiro tuíte do general: “Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?” Em seguida: “Asseguro à Nação que o Exército julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia (...)”.

Assim como Villas Bôas não falou sozinho, a reação do decano do STF também não foi pessoal. Celso de Mello, hoje já aposentado, não citou o comandante, mas classificou a manifestação dele como “claramente infringente do princípio da separação de Poderes” e criticou “insurgências de natureza pretoriana que, à semelhança do ‘ovo da serpente’, descaracterizam a legitimidade do poder civil instituído e fragilizam as instituições democráticas”. [por sorte, o ex-decano do STF, foi sensato e não determinou a condução debaixo de vara do então comandante do Exército. E sua manifestação só ocorreu ao término da sessão em que o habeas corpus ao criminoso Lula, foi negado.]
A manifestação do ministro Fachin perdeu-se no longo tempo transcorrido entre a mesma e o fato nela criticado.]  Em nota de ontem, na mesma linha, o ministro Edson Fachin considerou intolerável e inaceitável qualquer forma ou modo de pressão injurídica sobre o Poder Judiciário”.

À FGV, Villas Bôas, que é da reserva e sofre de ELA, uma doença degenerativa [ELA -  esclerose lateral amiotrófica.] disse que sua manifestação foi “um alerta, antes que uma ameaça”. O livro de Villas Bôas vem numa hora de noticiário desfavorável às FA [noticiário que se destaca pela maximização de aspectos que podem parecer desaforáveis às Forças Armadas] e em que Bolsonaro, contrário a Celso de Mello, Fachin e Alexandre de Moraes, já identificou um elo no Supremo: o antilavajatismo. Por essas ironias da história, ou espertezas da política, o presidente que usou Sérgio Moro como troféu se une aos algozes de Moro e defensores de Lula para proteger filhos e Centrão. [o que muitos jornalistas fingem esquecer é que as acusações contra os filhos de Bolsonaro, que antecedem a eleição do capitão para o cargo máximo da República, ciscam, ciscam e não evoluem para provas concretem e que as sustentem em um julgamento. Talvez na segunda metade, do segundo mandato do capitão, concluam que o lixo é o destino correto e justo de tais aleivosias.]   E que, eleito com um empurrão dos militares, usa símbolos das FA e libera o uso do nome delas, em vão, para insinuar golpes. Podem ser meras bravatas. Ou não.

Eliane Cantanhêde, colunista - O Estado de S. Paulo