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sábado, 22 de janeiro de 2022

UM POVO QUE NÃO CONHECE A SI MESMO - Percival Puggina

“Ninguém ama aquilo que não conhece; ninguém esquece aquilo que ama” (Autor desconhecido)    

Um povo que não se conhece é prato feito ao gosto dos tiranos, dos aproveitadores, dos políticos corruptos e dos criminosos. Vulnerável como criança descuidada. Vive situação comparável a de alguém que perdeu a memória, destituída da própria identidade. Foi-se até o amor próprio.

Em seus casos mais graves, a perda da memória, que tantas vezes acomete pessoas idosas, leva-as a não reconhecer os familiares mais próximos, quando não a si mesmas. Do mesmo modo, o desconhecimento das origens, da história, da tradição, faz com que, para milhões de brasileiros de todas as idades, seja perdida a identidade nacional.

Isso pode acontecer na idade escolar pelo desinteresse comum da juventude, ou daqueles a quem caberia a obrigação de estimular o desenvolvimento dessa identidade – os pais, por despreparo, e os professores, por estratégia política. Nesta segunda hipótese, a experiência mostra haver um interesse em desconstruir o sentimento porventura existente, ou apresentar um acervo útil à política revolucionária. Assim, a vítima torna-se disponível para os usos e abusos a que se refere o primeiro parágrafo deste pequeno artigo.

Em outra ocasião, escrevi sobre esses longos fios que nos unem individual e socialmente ao mais remoto passado da humanidade. À medida que esse fio se aproxima de nós, vêm com ele o idioma, a cultura e as tradições, os hábitos, a ordem política, as leis, a fé e muitos dos nossos sentimentos comuns. Com as migrações, o vaivém dos fios promove interações, como que tecendo malhas que vão compondo a história e a civilização. Quando bem próximos de nós, esses fios trazem a família e os antepassados, a voz dos pais, os sentimentos mais arraigados, os exemplos, os conselhos e as experiências sociais.

Agora, caro leitor, corte esses fios. Vai-se a memória. Resta apenas o presente, o sentimento sem regras, o pescoço disponível para a canga e a vida nos direitos “concedidos” pelos abusadores de plantão.  Parte importante do processo de dominação consiste, não apenas em manter apartado desses bens culturais o maior número possível de pessoas que já nascem sem acesso a eles, quanto depreciá-los perante aquela porção da sociedade potencialmente capaz de valorizá-los.

É nessa porção que opera a máquina de guerra cultural das mentes totalitárias criminalizando a fé, a tradição e a história; depreciando os consequentes valores morais; ridicularizando o sentimento patriótico inerente aos atos, símbolos e hinos; ocultando os grandes vultos de nossa história para que seu exemplo não mais seja seguido. E assim, sai Bonifácio e entra Marighella, sai Nabuco e entra Zé Dirceu, sai Elis e entra Anitta, sai Brossard e entra Alexandre.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


terça-feira, 5 de maio de 2020

A esperança, o poeta e o tempo - Míriam Leitão

O Globo

Não é possível, à luz da História, reduzir a gravidade do que tem acontecido 

Nossa esperança de novo se equilibra. Perdemos quem cantou para o país que dores pungentes não podem ser inutilmente. Com seu talento, Aldir Blanc fez do sofrimento de um tempo extremo músicas que nos ajudaram a seguir por um trilho estreito. É impensável tudo isso que anda acontecendo, mas a verdade é que tantos anos depois, de novo, a tarde parece cair como um viaduto. A doença que o atingiu já levou mais de sete mil brasileiros, e o Brasil dança na corda bamba. Várias cordas, todas bambas. A da luta diária pela vida, a de um país atormentado, a de velhas sombras que o próprio governante joga sobre nós.



As más intenções estão sendo ditas pelo presidente Jair Bolsonaro, por atos e palavras. Todos os dias. Ele se reuniu com os militares no domingo. Ouvi um general do alto escalão do governo, e ele me disse que existe uma “extrapolação de funções por parte do Judiciário”, e que isso vem desde 2014. Citou dois exemplos, a escolha de auxiliares e a política externa. Seriam prerrogativas do chefe do Executivo que foram invadidas. Portanto, o que senti nessa autoridade foi apoio ao presidente em dois fatos específicos: 
a suspensão da nomeação do diretor-geral da Polícia Federal e o problema dos diplomatas venezuelanos. Bom, uma coisa é a fricção que possa existir entre os poderes. Normal. Outra é fazer o que Bolsonaro fez.

[Não deixe de ler: nota dos militares.]

Bolsonaro usou as Forças Armadas para ameaçar quem pensa diferente daqueles que, ao seu lado, na manifestação de domingo, pediam a volta da ditadura. O protesto contra a democracia poderia ser um evento menor, ainda que sujeito à punição legal, mas o ato se agiganta quando o presidente comparece e afirma: “As Forças Armadas estão do nosso lado.” E quem não está daquele lado deve pensar o quê? O Brasil tem vivido entre cantos e chibatas há tempo demais. Há muitas pedras pisadas nesse nosso cais. Não é possível, à luz da história, reduzir a gravidade do que tem acontecido diante de nós, na frente de prédios que simbolizam o poder no Brasil. Quem viveu não pode dizer que não vê.

Os olhos dos fotógrafos veem melhor. São agudos, têm foco, não se perdem na multidão. E por isso sobre eles veio a agressão de domingo no ato em que o presidente se divertia espalhando ultimatos para os poderes. Da autoridade com quem eu tentei entender como o ato de Bolsonaro era visto, eu só ouvi crítica aos manifestantes. Alguns teriam “ideias radicais e que não param em pé”. A fonte garantiu que “ninguém vai embarcar numa aventura”. É o mesmo que ouvi de outras fontes há duas semanas, quando o presidente também participou de uma manifestação contra a democracia. Essa primeira é objeto de um inquérito. Portanto, Bolsonaro participou de um evento semelhante a outro que está sob investigação. Ele dobrou a aposta.

As Forças Armadas no começo da tarde soltaram a segunda nota em apenas 15 dias. Disseram que são democráticas, repudiam as agressões aos jornalistas e que “estão do lado da lei, da ordem, da democracia e da liberdade”. Bolsonaro também listou esses quatro, “lei, ordem, democracia, liberdade”. E acrescentou: “estão do nosso lado.” O Ministério da Defesa não refutou essa insinuação de estar a favor de manifestantes que querem fechar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). Fica mais um silêncio pesando sobre o país.

A tibieza das instituições, a desenvoltura com que o presidente fere as leis, a agressividade que ele autoriza que seus apoiadores pratiquem, ao lançar, ele mesmo, ofensas verbais contra pessoas ou instituições, o assalto aos órgãos de Estado. Tudo vai se misturando, tudo lembra o passado. “Batidas na porta da frente. É o tempo.” Quando Aldir Blanc e João Bosco lançaram a música que virou hino, “O bêbado e a equilibrista”, a gente vivia sentimentos mistos. O país carregava muitos anos de dor, mas o irmão do Henfil estava voltando e “tanta gente que partiu num rabo de foguete”. Então era cantar bem forte, junto com Elis, o fim daquele exílio. E agora? Qual é a melhor resposta ao tempo que bate na porta? Que ele passe. Porque tudo isso foi há muito tempo nas águas da Guanabara. E para o poeta que nos deixou, vítima da pandemia, a gente pode cantar sua música que fica como um legado, um carinho, no meio de tantas lutas inglórias.

Míriam Leitão, jornalista - Com Alvaro Gribel, São Paulo