Decisão de Teori desarmou palanque no qual Marco Aurélio, Lewandowski e, quem sabe?, Roberto Barroso pretendiam discursar
[o grande risco é que agora a porta está aberta para qualquer ministro SUPREMO do Supremo ao analisar um processo, especialmente exercendo a relatoria ao entender ser cabível determinada decisão, para a qual não existe previsão legal, simplesmente exara um despacho materializando aquela decisão, mandando executar e quando seus pares SUPREMOS forem examinar aprovam por unanimidade.
O Brasil passa a viver sob a mais completa INSEGURANÇA JURÍDICA, já que qualquer absurdo, desde que emanado de um ministro SUPREMO tem mais força que uma disposição constitucional.]
Vamos lá.
Estou contente que Eduardo Cunha (PMDB-RJ) tenha sido afastado de seu
mandato e que não esteja mais na Presidência da Câmara. Já escrevi aqui
algumas dezenas de vezes: acho que ele tem de ser cassado. Mais ainda:
penso que o afastamento é positivo para o governo Michel Temer porque
não é segredo pra ninguém que, para qualquer presidente da República,
mesmo um aliado, é melhor um Cunha fraco do que um forte.
Mas não
escrevo pensando apenas em amanhã e depois de amanhã. Não abro mão de um
princípio: na democracia, melhor uma solução ruim amparada na
Constituição do que uma boa amparada no arbítrio. A boa decisão contra a
Carta acabará fatalmente virando um erro; a má decisão a favor da Carta
acabará fatalmente sendo um acerto.
Quase
todos os ministros que tinham ciência do peso do que estavam votando — o
próprio Teori, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello — chamaram a
atenção para o caráter excepcional da medida. Tanto é assim, meus
caros, que estamos diante de um fato inédito.
Que fique
claro: não existe amparo na Constituição para a decisão que foi tomada. O
fato de eu estar contente com o afastamento de Cunha não me deixa
contente com o horizonte que se abre com essa decisão. Como esquecer?
Delcídio do Amaral foi flagrado tentando obstruir a Justiça e a
investigação da Lava Jato. Nem importa saber se seu plano era ou não
mirabolante e inexequível. De tal sorte foi considerado grave o que fez
que teve a prisão decretada pelo Supremo. E, no entanto, conservou o seu
mandato. Como suspender o mandato de quem não foi preso?
Notem: um
político pode, sim, ir para a cadeia, mas permanece com o seu mandato.
Vimos isso acontecer nas condenações do mensalão. Não estou sozinho no meu estranhamento. Em entrevista à
Folha, Eloísa Machado, professora do curso de direito da Fundação
Getúlio Vargas em São Paulo e Coordenadora do projeto “Supremo em
Pauta”, que estuda o tribunal, também expressa certa perplexidade e vai
ao ponto: “É evidente que uma decisão dessas tem um impacto enorme no
sistema político. Imagine o seguinte: todos os deputados que são réus
serão afastados? Ou isso só vale para o Cunha?”
É uma boa
pergunta. Os ministros, em seus respectivos votos, tentaram, de algum
modo, tranquilizar a todos: “Olhem, isso não vai virar um hábito…” Pois
é. Por que não?
Faço
minhas as palavras da professora Eloísa Machado: “Essa decisão me dói
porque o Cunha não deveria estar na presidência da Câmara, mas, ao mesmo
tempo, fica uma sensação de insegurança porque a decisão está fora dos
parâmetros constitucionais.”
Bastidores
É claro que, a isso tudo, faltam
bastidores, não é? Parece que Teori Zavascki, com efeito, vinha evitando
tratar da Ação Cautelar movida pela Procuradoria Geral da República
porque sabia do risco que ela trazia. Mas aí
surgiu a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) da
Rede, que caiu nas mãos de Marco Aurélio. Serelepe, ele conseguiu pautar
a matéria com Ricardo Lewandowski. Já tratei do assunto aqui.
Tratava-se de um ADPF preventiva, argumentando que a permanência de
Cunha na Câmara feria preceitos fundamentais e que ele não poderia estar
na linha sucessória, uma vez que é réu. Nota: nada disso está na
Constituição.
Armava-se
um palco para Marco Aurélio questionar as decisões do presidente da
Câmara, incluindo o primeiro ato de aceitação da denúncia que resultou
no impeachment. Teori houve por bem conceder, então, a sua liminar.
Cuidou menos da questão da linha sucessória do que dos atos que,
entendeu ele, Cunha tomou para obstruir a investigação.
O palanque
no qual Marco Aurélio, Lewandowski e, quem sabe?, Roberto Barroso
poderiam discursar foi desfeito. Isso pode explicar essa quinta-feira
estranha. Mas não deve tranquilizar ninguém. Cunha está
afastado da Câmara e não preside mais a Casa. Isso, em si, é bom. Mas,
do ponto de vista institucional, estamos um pouco mais enrolados,
acreditem.
Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo