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sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Sem fins lucrativos? A Receita Federal vai para cima do dinheiro dos times de futebol

Corinthians, Palmeiras, Ponte Preta e São Paulo foram notificados pelo órgão em 2017. Os fiscais questionam as estruturas sociais dos clubes e querem aplicar sobre eles impostos típicos de empresas comuns 

O Palmeiras vai fechar 2017 com mais de R$ 500 milhões em faturamento. O Corinthians terá arrecadado pouco mais de R$ 300 milhões durante a temporada. É dinheiro que vem de emissoras de televisão, patrocinadores e torcedores, via bilheterias e programas de associação, além da tradicional venda de jogadores – como o lateral Guilherme Arana, que deixa o Corinthians rumo ao espanhol Sevilla depois de ter conquistado o heptacampeonato nacional. Sem que incidam sobre essas receitas impostos que empresas comuns precisam pagar, porque, no Brasil, clube de futebol tem a estrutura societária de “associação sem fins lucrativos”. Pela lei brasileira, os times faturam meio bilhão de reais num ano, mas evitam tributos com a mesma lógica de associações de moradores, igrejas e ONGs. A Receita Federal decidiu implicar com esse raciocínio.

Só neste ano, o órgão notificou Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Ponte Preta, todos clubes que disputaram a primeira divisão nacional. Os auditores fiscais cobram deles impostos referentes ao período de 2006 a 2010. Os principais são Imposto de Renda (IR), Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) e PIS/Cofins sobre a folha salarial, dos quais o futebol hoje está isento. Como a Receita Federal não tem poder para legislar, não pode suspender a isenção fiscal daqui para frente. Mas pode reinterpretar as normas vigentes para exigir tributos não recolhidos daqui para trás. Os números exatos não são divulgados pelas partes porque os processos correm em sigilo, mas somam dezenas de milhões de reais. É o valor que teria sido arrecadado pelo governo caso esses impostos tivessem incidido sobre os faturamentos dos clubes nos cinco anos.

Os processos ainda estão em fase inicial. Primeiro, a Receita Federal notifica os clubes sobre os impostos não pagos. Depois, manda um fiscal calcular em cima dos dados contábeis dos times quanto precisa ser recolhido. É nessa fase que está o São Paulo. Os tricolores ainda não receberam do órgão o valor exigido por ele. Outros estão mais avançados. O Corinthians recebeu dos auditores o auto da infração, que estipula o valor devido, e já contesta a cobrança em primeira instância. Ainda levará tempo até uma decisão final. Seja qual for a decisão nesta etapa, tanto os clubes quanto a Receita Federal têm direito a recurso à segunda instância, representada pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Não se sabe quanto tempo levará até que os julgamentos cheguem a um desfecho. Nesse início, os clubes montam suas defesas. E os paulistas se baseiam em experiências de adversários paranaenses para driblar o Fisco.

Embora ainda não tenha se alastrado pelo país, a jogada da Receita Federal não é nova. Atlético-PR e Coritiba foram os primeiros a ter suas receitas perseguidas já em 2010. Defenderam-se e ganharam tanto em primeira instância quanto no Carf. Por isso hoje servem de precedente para os paulistas. Clubes de outros estados ainda não foram notificados. ÉPOCA consultou dirigentes de Atlético-MG, Cruzeiro, Grêmio, Internacional e Flamengo. Nenhum desses recebeu notificações no decorrer de 2017 sobre impostos não recolhidos. A distinção entre os clubes feita pela Receita Federal intriga os advogados que preparam as defesas dos paulistas, porque, via de regra, os times brasileiros têm a mesma estrutura societária. Na Europa, praticamente todos os clubes dos mercados mais desenvolvidos funcionam sob as estruturas de empresas com capital fechado (pertencente a um ou mais donos) ou aberto (listado em Bolsa). Só Barcelona e Real Madrid mantiveram a casca social. No Brasil, todos são associações sem fins lucrativos.


A Receita Federal não se baseia em nenhuma norma nova, e sim reinterpreta as que estão vigentes. Argumenta que os valores obtidos com transferências de jogadores estão altos demais para quem diz não buscar lucro. O mesmo vale para todas as receitas do futebol, menos aquelas obtidas com as atividades sociais, como as mensalidades pagas por quem vai ao São Paulo para usar piscinas e jogar bocha. Os clubes contra-argumentam. Afirmam que não distribuem lucros entre acionistas, coisa que empresas comuns fazem. Em vez disso, direcionam tudo o que sobra em forma de superávit para o futebol. Nessa toada, Atlético-PR e Coritiba escaparam do pagamento de milhões em impostos no processo que correu de 2010 em diante. Hoje, os paulistas farão defesa similar, mas estão receosos que os julgadores de primeira instância e o Carf mudem de opinião por causa da “ânsia arrecadatória” do estado, que passa por crise econômica há anos. ÉPOCA procurou a Receita Federal para que se posicionasse, mas o órgão não se manifestou.

Em último caso, uma mudança na maneira como o governo enxerga o futebol pode empurrá-lo para a estrutura empresarial. Isso foi tentado sem sucesso algumas vezes nas últimas décadas. Logo que a Lei Pelé foi sancionada, em 1998, o texto obrigava clubes a se tornarem sociedades anônimas dali a alguns anos. Não aconteceu. Em 2015, em meio à criação do Profut, voltou a se incluir no texto da Lei Pelé tal obrigação, mas a então presidente Dilma Rousseff vetou esse trecho após pressão dos cartolas. Hoje, está em discussão um novo formato societário, específico para times de futebol, que lhes incentivará a adotar a estrutura de empresa. Nada disso funcionou até hoje porque os dirigentes de clubes, além de apegados ao poder que a roupagem amadora lhes dá, alegam que pagariam muito mais impostos se trocassem o formato de associação sem fins lucrativos pelo de sociedade anônima. Esse argumento pode desabar se a Receita Federal tiver sucesso em sua nova jogada.

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