A evidência do
processo de desconstrução de um mito foi uma marca importante deixada pelos
protestos de rua do dia 16: Lula nunca mais! O
repúdio a Dilma e ao PT eram as outras palavras de ordem dominantes no
evento, óbvias por mirarem as personagens que se destacam na cena política: a
protagonista e seu coro. Mas, por detrás
de Dilma e do PT, emergiu fortemente na percepção dos cidadãos a figura do arquiteto da grande mistificação populista que encantou a maioria dos brasileiros enquanto pôde se
manter sobre seus pés de barro.
O sucesso popular
de Luiz Inácio Lula da Silva foi o resultado da conjugação de virtudes pessoais, como a
excepcional habilidade para aliar meios a fins – a essência da política –, com circunstâncias históricas, como a
globalização da economia e das comunicações que fizeram amadurecer, na virada
do século, momento propício a um forte influxo humanista na economia de mercado
que vinha de impor sua hegemonia no planeta.
No
auge de seu prestígio popular, quando comemorava, em 2010, com a eleição de Dilma, sua
terceira vitória consecutiva em eleições presidenciais, Lula claramente se
sentia detentor de um poder quase absoluto. Acabara de dar um passo decisivo
para o projeto de perpetuar
a hegemonia política de seu PT. Esqueceu-se da
célebre advertência de Lord Acton: o poder corrompe e o poder absoluto
corrompe absolutamente. E não permitiu que restassem
dúvidas quanto a quem era o verdadeiro dono desse poder quando, ainda antes da metade
do primeiro mandato de Dilma, a convenceu a
praticamente renegar a “faxina ética” que realizara em seu Ministério ainda em 2011.
É
bem verdade que com o tempo, e principalmente a partir da posse no segundo
mandato, Dilma afastou-se gradativamente
da influência política direta de Lula. Mas faltou-lhe competência
política para salvar a si, ao PT e ao Brasil do desastre
político, econômico, social e moral cujas raízes estavam solidamente
plantadas desde os primeiros meses do primeiro governo de seu criador e
frustrado preceptor.
A avassaladora evolução
das investigações da Operação Lava Jato começa a revelar os primeiros indícios de que Lula pode estar envolvido
em episódios que já levaram à prisão
donos das grandes empreiteiras de obras com os quais desenvolveu
estreito relacionamento pessoal, tanto como presidente da República
quanto, depois, como consultor, conferencista e lobista internacional.
Mas não é a Lava
Jato – ou apenas ela – que aproxima Lula de Lord Acton. Por apego ao poder, o chefão do PT corrompeu, principalmente, um
projeto político em que, durante muito tempo, uma maioria de brasileiros de
boa-fé, completamente iludida, acreditou firmemente: a redução das
desigualdades com o pleno acesso da população marginalizada da vida econômica
aos bens sociais essenciais, como educação, saúde, saneamento, transporte,
segurança.
O fastígio
econômico dos seis primeiros anos de governo de Lula, apoiado nos princípios
sólidos de estabilidade econômica herdados
de governos anteriores e numa conjuntura
internacional extremamente favorável, permitiu avanços sociais importantes
no desfrute de uma política social focada no crédito fácil e na gastança
voltada para bens de consumo. A ambição
de transformar esses avanços em vantagens eleitorais a curto prazo e não em efetivas conquistas no prazo longo, aliada à miopia de
viés ideológico, levou à implantação de uma “nova matriz econômica” intervencionista, estatista. Enfim, a
corrupção de uma política que se anunciava voltada para os benefícios sociais resultou nas mazelas que hoje todo o País sofre.
Lula, portanto, corrompeu com sua ambição de poder um projeto
político
que fez as pessoas acreditarem ser socialmente desejável e exequível. E acabou por
inviabilizá-lo – aí com a forte ajuda de
Dilma – ao vinculá-lo à “ideologia do bem” segundo a qual não
existe verdade fora do Estado. Razões
suficientes para que o País queira vê-lo pelas costas.
Editorial do Estadão - Publicado no Estadão