Ex-magistrados negam constrangimento por conta de colegas de chapa
Após
quatro anos de Lava-Jato, com a popularização de magistrados e o
descrédito da classe política, diversos ex-juízes irão se candidatar nas
eleições deste ano. Entretanto, muitos encontram dificuldades na
transição do universo jurídico para o eleitoral. Um dos dilemas ocorre na
formação das coligações, já que candidatos que usam o discurso ético
acabam tendo como colegas de chapa políticos que já foram alvos de suspeitas de
corrupção.
O PSL,
por exemplo, lançou ao Senado, em Mato Grosso, a ex-juíza Selma Arruda,
conhecida como “Sergio Moro de Saia” por ser dura nas decisões e colocar na
cadeia vários políticos do estado. A ex-juíza apoia a reeleição do governador
Pedro Taques (PSDB), ex-procurador da República que deixou o Ministério Público
para seguir carreira política. Em 2016, Selma mandou prender o empresário Alan
Malouf, que atuou na campanha de Taques em 2014, e o ex-secretário do governo
Permínio Pinto (PSDB) por suspeita de esquema de propina e fraudes na
Secretaria de Educação. A candidata disse que não vê constrangimento e nem
contradição na aliança com os tucanos. Você tem
um governo com cinco mil pessoas trabalhando e não consegue controlar todo
mundo. Alguém ali deu um passo errado e foi punido. Não vejo contradição —
disse a ex-juíza, destacando que o PSL é um partido pequeno, que precisa de
coligações com a atual legislatura eleitoral.
Selma se
aposentou em março deste ano, após 22 anos de magistratura. Ela reconhece que é
“bem principiante” na política e diz que tem muita coisa que nem imaginava como
funcionava. Para a ex-juíza, algumas peculiaridades da política são difíceis
para um leigo entender, como o apoio em alguns estados entre o PT e o MDB.
No Rio de
Janeiro, o candidato do PSC ao governo, Wilson Witzel, atuou em varas de
Execuções Penais no Rio e no Espírito Santo e também vai se candidatar pela
primeira vez neste ano. O candidato ao Senado na sua chapa será o Pastor
Everaldo, presidente do PSC, citado na delação de executivos da Odebrecht.
Segundo os delatores, ele teria recebido R$ 6 milhões nas eleições de 2014 para
beneficiar o candidato do PSDB, Aécio Neves, nos debates. O pastor Everaldo
nega ter atuado a pedido da Odebrecht e ter recebido doações ilegais.
Wiztel
não vê problemas, porque a citação não gerou nenhum inquérito. Ele considera que
apenas com a apresentação de uma denúncia pelo Ministério Público existem
indícios suficientes para impedir uma aliança. — Sou
professor de Processo Penal. No inquérito policial, você não tem um acusado,
tem a investigação de um fato. Se você tem uma denúncia do Ministério Público,
fundamentada, com as provas colhidas no inquérito policial, aí sim, nós podemos
dizer que há uma séria preocupação com a conduta moral daquele indivíduo —
avalia.
O
candidato do PDT ao governo de Mato Grosso do Sul, o ex-juiz Odilon Oliveira,
se aposentou em outubro do ano passado e teve dificuldade em fechar alianças
por vedar a participação de políticos corruptos ou sob suspeita em sua
coligação. Odilon atuou no combate ao narcotráfico e se tornou um dos juízes
mais ameaçados do país. Até hoje anda com escolta por determinação do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ). Com apoio apenas do Podemos e do Pros, afirma não se
preocupar com um palanque esvaziado. — Prefiro
ficar sozinho e estar rodeado pelo povo do que com pessoas manchadas e ter a
censura popular. A política ainda tem salvação. Vai ser difícil consertar, mas
o único instrumento é através do voto — afirma.
O ex-juiz explica, no entanto, que sempre abriu as portas de sua casa a autoridades para relacionamentos institucionais.
—
Logicamente, se eu já elogiei algum prefeito que se enrolou depois, com
corrupção ou qualquer outra coisa, isso não significa que a foto representa um
aval em relação aos atos praticados por aquela pessoa.
Outro
exemplo é Márlon Reis (Rede), autor da Lei da Ficha Limpa, que vai disputar
novamente o governo do Tocantins. Ele terá o apoio do PV, que tem entre suas
principais lideranças estaduais o casal Marcelo e Claudia Lelis, ambos com
problemas na Justiça Eleitoral. Marcelo foi condenado por abuso de poder
econômico e captação ilícita durante as eleições municipais de Palmas em 2012,
quando foi candidato a prefeito. Já Claudia era vice-governadora até março, quando
ela e o governador Marcelo Miranda foram cassados pelo Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), por caixa dois na campanha de 2014. No início
do mês, Márlon Reis disse que a aliança é com o PV, que Marcelo Lélis não é
candidato nem dirigente partidário e que Claudia não é acusada de nada nem está
inelegível.