27 anos depois da “Miriam de Lula”, vem a público a “Miriam de FHC”. E justo quando Lula precisa de socorro
Não quero ser e não vou ser irresponsável — já há irresponsabilidade de sobra nessa história —, mas não dá para ignorar que Miriam Dutra rompe o silêncio no momento em que Lula, a figura icônica do PT, agoniza em praça pública.
O roteiro é óbvio demais, e a rede petralha está assanhada o bastante para que se descarte que há alguma mão balançando esse berço
“Pra que
tanta Miriam, meu Deus?”, pergunta o meu coração, desde já pedindo
escusas às Mirians que são minhas amigas, e eu as tenho: profissionais
competentes, mulheres que trabalham, que se respeitam e respeitam seus
respectivos amigos e familiares. Mas é claro que não dá para ignorar as
coincidências que, ao se estenderem até ao nome de duas mulheres, só
ressaltam os aspectos farsescos da narrativa.
Vinte e
sete anos depois de a “Miriam de Lula”, a Cordeiro, ter ido ao horário
eleitoral de Collor para denunciar a suposta desídia do então
presidenciável petista com uma filha, que, acusou ela, o pai queria que
fosse abortada, eis que vem a público a “Miriam de FHC”, a Dutra. E,
curiosamente, usa arma idêntica, indo um pouco além.
Também FHC a
teria pressionado a abortar um filho, que, mais tarde, após a morte de
Ruth Cardoso, o já ex-presidente assumiu legalmente, embora dois exames
de DNA tenham demonstrado posteriormente, para surpresa de muita gente e
certamente sua, que não era ele o pai. Em entrevista à Folha, Miriam
Dutra diz que fez outros abortos. Vai ver as pílulas anticoncepcionais
perdem efeito no cerrado.
Miriam
Cordeiro, a de Lula, ficou evidenciado à época, recebeu dinheiro da
campanha de Collor para fazer aquela “denúncia”. E Miriam Dutra? Não
sei. Ela diz que fala só por amor à verdade — verdades um tanto
estranhas.
A mulher reclama da vida, de FHC, da Globo, e intuí que pode
não ter a melhor relação com Tomás, o filho. Já chego lá.
Não quero
ser e não vou ser irresponsável — já há irresponsabilidade de sobra
nessa história —, mas não dá para ignorar que Miriam Dutra rompe o
silêncio no momento em que Lula, a figura icônica do PT, agoniza em
praça pública. O roteiro é óbvio demais, e a rede petralha está
assanhada o bastante para que se descarte que há alguma mão balançando
esse berço.
Miriam Dutra já havia concedido uma entrevista a Fernanda Sampaio, da revista “Brazil com Z”. Está aqui.
O título promete: “Miriam Dutra conta a sua verdade depois de 30 anos”.
Leia você mesmo. Não há nada lá além de um ressentimento ou outro. No
máximo, ela põe em dúvida o resultado de exames de DNA que demonstraram
que Tomás, o filho que FHC assumiu como seu, filho seu não era. E mais
não há.
Nas entrevistas concedidas a Natuza Nery e a Monica Bergamo, da Folha, no entanto, as coisas mudam de figura e se adensam.
Miriam Diz
que FHC lhe mandava dinheiro por intermédio de uma empresa. Ele admite a
primeira parte — de fato, enviou recursos à mãe de um filho que julgava
ser seu —, mas nega a segunda. Ela também tenta emprestar certo aspecto
criminoso ao fato de o ex-presidente ter contas no exterior — o que ele
admite, já que crime não é. Estão devidamente declaradas, ele garante.
Dois momentos da fala de Miriam Dutra chamam atenção. Afirma a Natuza:
“Claro que ele [FHC] tem contas. Como ele deu, em 2015, um apartamento
de € 200 mil para o filho que ele agora diz que não é dele? Ele deu um
apartamento para o Tomás.”
Sim, as contas existem. Sim, ele admite a compra do apartamento e tem recursos para isso.
Mas
pergunto: que mãe, dadas as circunstâncias nada corriqueiras vividas por
Tomás, emprestaria um tom de denúncia a um apartamento que o filho
ganhou daquele que, a despeito dos exames de DNA, atua como seu pai?
Até onde se
sabe, Tomás e FHC mantêm uma relação de proximidade. Com a mãe, no
entanto, parece não ser bem assim. Indagada se alguém está por trás de
sua decisão de falar, ela responde:
“Ninguém. Eu vivo absolutamente
sozinha na Espanha, nunca vivi tão sozinha como agora. Vivo com um
cachorrinho chamado Xico, com X, não tenho vida social, não tenho nada,
até pela minha fibromialgia e pela polipose adenomatosa. Eu não estou
falando isso para tirar proveito de absolutamente nada. Estou lavando a
minha alma. É muito difícil você ser xingada por milhões de pessoas e
não vou deixar isso acontecer mais. Não podia entrar na Justiça contra
porque eu trabalhava na TV Globo.”
Há aí aquele
conhecido vitimismo passivo-agressivo de quem se coloca na condição de
agravado para poder atirar sem culpa. Digam-me: onde estavam os milhões
de pessoas que xingavam Miriam Dutra? Ainda que pudesse ser doloroso pra
ela, ninguém mais se lembrava de sua existência.
Mirians ontem e hoje
Obviamente me opus à baixaria
protagonizada por Miriam Cordeiro, a de Lula. Até porque o petista havia
registrado como sua a filha que tivera com ela, Luriam, e lhe dava o
devido amparo. O que a levou para a ribalta foi a luta política
rasteira, foi o oportunismo.
E é evidente
que não dá para condescender com a Miriam Dutra, a de FHC.
Especialmente porque o ex-presidente assumiu o filho e manteve intocada a
relação com o rapaz, ainda que exames de DNA tenham demonstrado que não
era seu filho.
A compra do
apartamento de € 200 mil, ao qual a própria mãe do rapaz tenta emprestar
ares de escândalo, dado o contexto, é prova de caráter, não o
contrário. A menos que a origem do dinheiro seja ilegal. Não consta que
seja. Mesmo a
pensão que Miriam diz ter recebido por intermédio de uma empresa teria
saído de um depósito de US$ 100 mil que FHC teria feito, segundo ela
própria, com recursos próprios, para que se fetivassem os pagamentos.
Concluo
Desde a entrevista concedida por ela à tal
revista “Brazil com Z”, a rede petralha está assanhadíssima. Agora,
então, é uma festa. É como se Lula, o herói incapaz de explicar a sua
relação com um sítio e com um apartamento, já estivesse redimido.
A partir de
agora, a imprensa, a oposição e os críticos do petismo não poderiam
cobrar mais nada do Demiurgo porque, afinal, “FHC fez antes”… Mas fez
antes o quê?
Há algum
suspeita de ilegalidade na maçaroca de ressentimentos de Miriam Dutra,
que configuraria um crime ainda passível de investigação? Se houver, que
se investigue. Não consta. Mas que não
se use a Miriam da hora para decretar que, afinal, neste Brasil, todos
são criminosos e ninguém pode cobrar nada de ninguém.
Não é verdade! Não somos todos iguais, não!
Nós não somos bandidos.
Fonte: Reinaldo Azevedo - Blog Veja ON Line