Gazeta do Povo
Não vamos cometer aqui o insulto de chamar Roger Scruton, o
filósofo inglês morto neste fim de semana, aos 75 anos, de “importante”. Esta é uma palavra que se tornou
horrivelmente barata nos últimos anos, a ponto de não significar mais nada –
serve apenas para elogiar alguém de graça, quando não se consegue achar méritos
objetivos na obra do elogiado, ou mesmo quando não há obra nenhuma a elogiar. Temos, assim, o escritor “importante”, o
artista “importante”, o cineasta “importante” e por aí afora; como não dá para
dizer que fizeram alguma coisa de excelência comprovada, ou se fizeram
realmente alguma coisa, confere-se a todos eles o título de “importante” e todo
mundo fica feliz.
Scruton foi, isso sim, um extraordinário pensador dos
tempos em que vivemos – um filósofo de verdade, e não um cidadão que se formou
em filosofia, ou dá aulas na universidade, ou escreve sobre o assunto, sem a
obrigação de ter, nunca, alguma ideia própria.
Ao longo dos últimos 50 anos, e nas páginas de 50 livros, Roger Scruton
deixou uma imensa produção de pensamentos essenciais para a visão conservadora
da vida e do mundo na era contemporânea – um filósofo da grande linhagem de
Edmund Burke e os outros gigantes ingleses que lançaram os alicerces das ideias
que regem até hoje as sociedades livres. “Pessoas de esquerda acham muito
difícil conviver com pessoas de direita, porque acreditam que elas sejam o
mal”, escreveu ele numa das sínteses mais devastadoras que fez das disputas
ideológicas de hoje. “Eu, do meu lado, não tenho problema nenhum em me dar bem
com elas, porque simplesmente acredito que estão enganadas”.
O filósofo britânico ganhou notoriedade no Brasil no final dos anos 2000 e cada vez mais seus livros ganham versões nacionais. Mas, afinal, qual é a essência de seu pensamento?
Scruton dedicou-se com aplicação especial, entre a vasta
obra que deixou, às questões da estética, da cultura e da política. A qualidade
de uma obra artística, para ele, podia, sim, ser estabelecida por critérios
objetivos – a beleza é a base dessa avaliação, e beleza não é um conceito
abstrato, e sim uma realidade materialmente visível. “Estilos vão e vêm”, escreveu Roger Scruton,
“mas as exigências do julgamento estético são permanentes”. Ele jamais teve
medo de dizer que a “equalização” da cultura, tão venerada entre a esquerda
como arma para combater o “elitismo”, é um disparate.
Não faz nenhum sentido, em sua visão, alegar que a alta
cultura, ou a “cultura clássica”, é uma espécie de “propriedade da elite” e só
beneficia os que têm acesso a ela; seria o mesmo que sustentar que a matemática
não adianta nada para quem não a entende em seus níveis mais avançados. “O
processo de transmissão cultural não poderá sobreviver se os professores forem
obrigados a ensinar Mozart e Lady Gaga ao mesmo tempo, em nome de uma agenda de
igualitarismo”, resumiu Scruton.
É dele,
também, uma das mais precisas explicações sobre porque os intelectuais, em sua
grande maioria, são de esquerda. “Eles são atraídos naturalmente pela ideia de
uma sociedade planejada porque acreditam que o planejamento ficará a seu
cargo”. O que atrai os intelectuais no marxismo, diz Scruton, não é a verdade,
mas o poder que ganhariam se o mundo fosse controlado pelo Estado – e, em
consequência, por eles. “A notável capacidade de sobrevivência do marxismo”, conclui,
“está no fato de que é um sistema de pensamento dirigido para a obtenção do
poder.”
O que Roger Scruton ainda poderia produzir, nos próximos
anos, vai nos fazer uma imensa falta.
J R Guzzo, jornalista - Vozes - Gazeta do Povo