STF teme que ganhe a posição contrária à prisão em segunda instância, o que levaria Lula a ser solto
Mais do que uma solenidade autoelogiativa, o que aconteceu ontem no
Supremo Tribunal Federal (STF) foi uma demonstração do estado de ânimo
que domina seus membros, e também os políticos, diante da divisão do
plenário que joga a opinião pública ora para um lado, ora para o outro,
sempre com críticas agressivas, quando não criminosas. Acontece também com os políticos, especialmente aqueles que têm cargo de
liderança nas duas Casas do Congresso. O ambiente no Congresso é tão
ebuliente que a promessa dos bolsonaristas de apresentar uma proposta de
emenda constitucional (PEC) revogando a que aumentou para 75 anos a
idade compulsória dos ministros pode provocar a reação de ampliá-la para
80 anos.
Isso porque a redução da idade permitiria ao presidente Bolsonaro nomear
quatro ministros imediatamente. Como está, ele escolherá no final do
próximo ano substitutos para os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio
Mello. Ao contrário, a ampliação da idade para 80 anos impediria que
nomeasse ministros durante sua gestão. A continuar esse ambiente de confrontação, é provável que as sabatinas
dos futuros ministros no Senado sejam mais rigorosas do que o costume, e
aumenta a chance de um indicado pelo Palácio do Planalto ser rejeitado. [que já é chamada de efeito Dias Toffoli.] Tudo para evitar que o plenário do Supremo seja formado
majoritariamente por ministros que criminalizem a política, como veem a
ação do presidente Bolsonaro.
O caso acontecido na semana passada na Sala São Paulo, durante um
concerto da Orquestra Sinfônica do Estado (Osesp), é exemplar dessa
radicalização. Um homem parou a música aos gritos, criticando o Supremo,
nomeadamente os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Os relatos são
de que o presidente do Supremo está abalado com os ataques. Seria por isso que ele tende a adiar o julgamento do mérito da
legalidade da prisão em segunda instância, marcado para o dia 10. O
pedido foi feito pelo novo presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, que
admitiu ontem que não há clima para julgar processo tão delicado, que
provoca ações de milícias digitais de ambos os lados, pois atinge não só
um número ainda não calculado de presos, que seriam soltos, mas,
especialmente, Lula. E fragiliza a Operação Lava-Jato.
O estranho é que o adiamento prejudica Lula, e o presidente da OAB
sempre foi um crítico da Operação Lava-Jato e defensor da liberdade do
ex-presidente. À primeira vista, houve a interpretação de que o grupo
favorável ao ex-presidente estaria temendo perder a votação, que da
última vez registrou o placar de 6 a 5 pela prisão em segunda instância. Não era o que estava previsto, pois o ministro Gilmar Mendes mudou de
posição publicamente, reduzindo a 5 os votos favoráveis à legalidade da
medida, dando, portanto, maioria ao lado contrário.
Há, no entanto, dúvidas sobre a posição dos ministros Alexandre de
Moraes e Rosa Weber. Moraes vota no lugar do falecido ministro Teori
Zavascki, que era a favor da medida, e já se pronunciou, inclusive em um
voto na sua Turma, também favorável. Mas estaria em dúvida. A situação
mais delicada é a da ministra Rosa Weber. Tendo votado contra a prisão em segunda instância, a ministra tem tido
uma atuação impecável. Mesmo contrariando seu pensamento, ela vem
votando de acordo com a posição da maioria. Considerou no ano passado
que não havia razão para voltar ao assunto tão cedo, mas neste momento
ninguém sabe como agirá.
Se votar a favor, o resultado continuaria sendo 6 a 5 pela prisão em
segunda instância, mantendo a divisão do plenário, que reflete a do
país. O resultado, porém, pode ser de 7 a 4 se tanto Rosa Weber quanto
Moraes votarem contra prisão em segunda instância. A tendência, apesar
das dúvidas, é que o plenário do STF mude a jurisprudência, favorecendo
quem já está preso e impedindo que outros vão para a cadeia. Tudo indica que o pedido de adiamento foi feito porque o STF está com
receio de que ganhe a posição contrária à prisão em segunda instância, o
que levaria Lula a ser solto. Os ministros que defendem essa posição
estariam temerosos de provocar manifestações políticas contra o Supremo,
agravando ainda mais a situação.
Quer dizer, o receio existe, de ganhar ou de perder. O que é ruim para a independência do Supremo e para a democracia.
Merval Pereira - O Globo