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sábado, 13 de maio de 2023

O Chile caminha entre a decadência e a esperança - Revista Oeste

Cristyan Costa

Vitória da direita na Constituinte dá confiança ao país, que hoje sofre com a crise econômica e o aumento da violência, sob a incompetência do governo de esquerda de Gabriel Boric

Gabriel Boric | Foto: Claudio Abarca Sandoval/NurPhoto/Shutterstock
 
Em outubro de 2019, multidões insufladas por estudantes raivosos do ensino médio foram às ruas de Santiago para se manifestar contra o aumento do preço da passagem de metrô. O então presidente do Chile, Sebastián Piñera, recuou, mas os protestos continuaram. Enxergando uma boa oportunidade eleitoral, partidos de esquerda juntaram-se à trincheira dos insatisfeitos, e, em poucos dias, as mobilizações partiram para a violência e o vandalismo contra o patrimônio público-privado. A cada recuo do governo, as reivindicações aumentavam. A mais ambiciosa foi exigir uma nova Constituição. Acuado, o Executivo convocou um plebiscito em dezembro. Um ano depois do início dos atos, 80% da população quis outra Carta Magna.

Nesse período, o líder estudantil Gabriel Boric, então com 35 anos, se destacou em meio às manifestações de esquerda. Em 2021, venceu a eleição para presidente, com a promessa de “justiça social” e de liderar os trabalhos pela nova Constituição. Meses depois, o povo escolheu os constituintes, em sua maioria, de esquerda, para a assembleia responsável por redigir a Carta. O primeiro rascunho assustou a população, por aumentar a presença do Estado na vida das pessoas, propor um modelo social-democrata de economia e tratar de termos vagos, a exemplo de “dissidências sexogenéricas”, “integridade afetiva” e “igualdade substantiva”. Não demorou para a população rejeitar amplamente o texto na primeira votação.publicidade
 
O presidente do Chile, Gabriel Boric, discursa para apoiadores na capital do país, pouco depois de ser empossado no cargo – 11/3/2022 | Foto: Reprodução/Redes sociais

Depois de oito meses de debates, nesta semana, os chilenos voltaram às urnas para mudar a composição do Conselho Constitucional. Desta vez, os ventos sopraram para o lado oposto, e partidos de direita garantiram maioria, com 33 assentos de um total de 50. Só o Partido Republicano (PR) obteve 22. A legenda é comandada pelo ex-deputado José Antonio Kast, líder da oposição que perdeu para Boric em 2021, mas que vem ganhando musculatura até mesmo em redutos de eleitores de centro. Um membro do PR disse que a oposição promete manter o máximo de dispositivos possível previstos na atual Carta Magna, feita no regime de Augusto Pinochet e alvo de ataques nas manifestações realizadas em 2019.

Vitoriosa na disputa pelas cadeiras do conselho que vai redigir a nova Carta Magna, a direita chilena tem uma série de desafios. Um deles é preservar da Constituição passada elementos que deram certo, como o modelo de economia liberal

Não foi só o primeiro rascunho da Constituição que motivou esse paradoxo. A população está insatisfeita com uma série de problemas sociais graves. O governo Boric tem sido incapaz de lidar com a inflação anual de 13% (a maior em 30 anos), os 2 milhões de desempregados e o aumento da criminalidade — hoje o maior problema do país. Em 2022, os homicídios cresceram 35% em relação ao ano anterior. O número representa a segunda maior variação na América Latina, perdendo apenas para o Equador. Os roubos violentos aumentaram 65% em 2022 e os de automóveis, 40%. Esse cenário desesperador é a realidade de quase todas as cidades chilenas, sobretudo da capital, que abriga quase 6 milhões de pessoas, a maior parte da população do país, estimada em 20 milhões de habitantes. 
O líder da direita chilena, José Antonio Kast, vota para eleger os constituintes da Assembleia (8/5/2023) | Foto: Reprodução/José Antonio Kast/Twitter
 
A degradação de Santiago
“Limpa, bem cuidada e muito segura.” Essa é a Santiago que o motorista particular Jorge Pinto, 50 anos, guarda na memória desde a infância, quando saía com os pais para passear nos parques arborizados do centro. Nascido e criado na capital, hoje, ao dirigir pelas ruas transportando turistas, lamenta o descaso do poder público com a cidade. “Na minha juventude, as pessoas não andavam com bolsas na frente do corpo, com medo de um criminoso praticar um furto”, disse, ao apontar para uma mulher de cerca de 20 anos caminhando apressada enquanto olha para os lados. “Agora, tornou-se algo comum. Esse comportamento é o sintoma de uma cidade muito adoecida.”Mirante do Cerro Santa Lucía vandalizado no centro de Santiago (26/4/2023) | Foto: Cristyan Costa/Revista Oeste

Ao chegar ao centro de Santiago, no bairro nobre Paris-Londres, Pinto critica as várias pichações que se alastram pelos prédios de arquitetura europeia, muitos dos quais abrigam o comércio local. “Fico com vergonha quando estrangeiros vêm para cá”, desabafou o homem de baixa estatura e rechonchudo, que fala bem o português. “O processo de degradação começou em 2017, ainda no governo Piñera, e foi piorando a partir de 2019, quando iniciaram aqueles protestos. E não é só no centro. O ódio à ordem e ao belo está espalhado por toda a cidade. Em praticamente todos os cantos, há vandalismo, e não se faz nada. A prefeita, Irací Hassler, que é comunista como o nosso presidente, é omissa quanto à zeladoria de Santiago.”

O diagnóstico do motorista particular pode ser notado em pontos turísticos famosos de Santiago, como o Cerro Santa Lucía, onde o conquistador Pedro de Valdívia anunciou a fundação de Santiago, em 12 de fevereiro de 1541. As paredes do mirante, que atrai turistas, usado como fortaleza pelos espanhóis em confronto com índios mapuches nativos no passado, estão descascadas e com pichações. Pela dimensão do estrago, percebe-se que ele se mantém há bastante tempo. Os jardins onde soldados passavam as horas vagas com a família estão tomados por jovens que consomem drogas.Moradora de rua pede dinheiro a transeuntes nas adjacências do Cerro Santa Lucía (26/4/2023) | Foto: Cristyan Costa/Revista Oeste

Tampouco a Igreja São Francisco Borja, a poucos metros dali, fundada em 1876 e destruída pela esquerda em 2020, foi restaurada. Naquele ano, as imagens nas redes sociais impressionaram o mundo, em razão da violência com o que o local sagrado foi profanado. O templo continua fechado e em ruínas. Não há previsão para qualquer ato do Executivo no sentido de reerguer o edifício multicentenário.Extremistas de esquerda incendeiam a Igreja São Francisco Borja, no centro de Santiago – (19/10/2020) | Foto: Divulgação/Vatican News

Os calçadões do centro estão ocupados por moradores de rua pedindo dinheiro aos transeuntes. O forte odor de urina e fezes está presente em vários pontos — tampouco os arredores do efervescente Mercadão Municipal são poupados. Quem saca o celular naquela região, mesmo para ver a hora, é rapidamente advertido por um carabinero (polícial local) para guardar o aparelho, em virtude da grande quantidade de furtos que ocorrem em qualquer horário do dia. Um policial contou que a maioria dos crimes acontece quando a pessoa está com o celular na mão, enquanto aguarda o semáforo ficar vermelho. Isso porque delinquentes têm usado bicicletas para pegar o smartphonede alguém desavisado e sair em disparada. A sensação de insegurança, sobretudo na Rua Puente, é semelhante à experimentada por quem caminha pelo centro de São Paulo.Moradora de rua com criança de colo pede dinheiro a transeuntes nas adjacências do Cerro Santa Lucía (26/4/2023) | Foto: Cristyan Costa/Revista Oeste

A jornalista Pauli Suazo, 39 anos, mora em Huechuraba, bairro da região metropolitana de Santiago. Ela tem assistido impotente à degradação da capital do vinho. “Em um passado recente, conseguia andar tranquilamente pelo bairro onde moro, perto do centro da cidade, às 21 horas”, contou a mulher de estatura baixa, cabelos castanhos cacheados e dentes grandes. “Hoje, isso não é mais possível.” Sempre que um familiar avisa que vai sair, ela fica temerosa, sobretudo porque a escalada de violência aumentou também no transporte público e em aplicativos como Uber e Cabify. A sensação é a mesma de Carla Molina, 32 anos, 29 deles vividos no bairro Estação Central, no centro. “Sinto medo constantemente”, disse. “Por isso, tento não sair de casa sozinha, apesar de o bairro ser muito mais seguro do que outros. Evito ainda não sair muito tarde, nem muito cedo.”

Um dos poucos locais onde se pode ter relativa tranquilidade é a “Esplanada dos Ministérios” chilena, no entorno do Palácio de la Moneda, sede do governo federal. O imponente edifício branco acinzentado de estilo greco-romano, projetado pelo arquiteto Joaquin Toesca, não tem sinais de vandalismo nem lixo nas proximidades. Os vidros das janelas emolduradas de carvalho são tão limpos que é possível ver da rua contornos de grandes salas em estilo neoclássico. Centenas de carabineros fazem a guarda do local, andando de um lado para o outro, em meio aos espelhos d’água e dos chafarizes localizados em cada extremidade do prédio. A região é uma das mais bem preservadas e seguras da cidade. Essa atmosfera pode ser vivenciada também no bairro Providencia, onde fica o famoso Shopping Costanera. Alamedas arborizadas, sem lixo na rua e sinal de vandalismo nas paredes das casas são o desenho da região.O Palácio de la Moneda, no centro de Santiago – 26/04/2023 | Foto: Cristyan Costa/Revista Oeste
 
Direita, volver

Vitoriosa na disputa pelas cadeiras do conselho que vai redigir a nova Carta Magna, a direita chilena tem uma série de desafios. Um deles é preservar da Constituição passada elementos que deram certo, como o modelo de economia liberal, ameaçado pelo primeiro rascunho feito por radicais ligados a Boric. O outro é manter o Estado fora de questões que não lhe dizem respeito, como a família, e concentrar esforços em lidar com mecanismos relacionados à segurança pública e à imigração ilegal, que se tornaram as maiores preocupações dos chilenos.

A situação é paradoxal em vários aspectos. Em primeiro lugar, justamente o partido que se opôs à possibilidade de elaboração de uma nova Constituição terá a missão de liderar o processo que substituirá o atual texto constitucional. Não há mais tempo para equívocos. O recado que o presidente Boric deu a Kast não pode ser desprezado: “Não cometam o mesmo erro que nós”.Repartição pública na Rua de la Moneda, a poucos metros do palácio presidencial (26/4/2023) | Foto: Cristyan Costa/Revista Oeste

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Cristyan Costa, colunista - Revista Oeste