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sexta-feira, 17 de maio de 2019

Queima de ativos

O presidente dilapida o próprio capital ao depreciar suas escolhas

Traço marcante da personalidade de Jair Bolsonaro é querer fazer as coisas do jeito dele. O problema é que do seu jeito atabalhoado, simplista, primitivo e muitas vezes rude não tem dado certo. Isso não é dito por nós, integrantes da imprensa que na visão do presidente o persegue com as piores das intenções.  O mau resultado está demonstrado nas pesquisas e na opinião de boa parte de seus eleitores que se expressam na internet em oposição a várias de suas ações e/ou declarações. Os primeiros acordes da sinfonia do mandato presidencial sinalizavam acertos. 

Independência para Paulo Guedes, carta branca para Sergio Moro, aposta na eficiência de quadros oriundos das Forças Armadas nomeados para postos-chave em seu entorno para tocar o dia a dia do Palácio do Planalto. Por ignorância, ingenuidade, voluntarismo ou tudo isso junto, Bolsonaro tem promovido uma inusitada e perigosa queima de seus mais eficazes ativos. O presidente dilapida o próprio capital político, administrativo e institucional quando trata de maneira desprezível suas melhores escolhas de equipe enquanto celebra o convívio com as mais tóxicas companhias. 
 

O exemplo já batido são os três filhos para os quais não há, na atuação do presidente, nenhum filtro ou medida. Caso básico, e clássico, de pai culpado. Em princípio, os motivos não nos interessam, à família pertencem. Por isso mesmo não é justo que Bolsonaro compartilhe com a nação suas questões particulares sendo complacente com a prole em questões de Estado.  Em tese não teríamos nada a ver com isso. Só que passamos a ter quando o presidente da República faz de seus alhos particulares os bugalhos do país. Jair Bolsonaro mistura as coisas por falta de sentido do que seja República. Foi eleito sem ter experiência no tema. Atributo também ausente, se não ao todo, certamente a boa parte das pessoas que viram nele uma boa solução.

Óbvia e comprovadamente não foi a escolha ideal, mas precisamos conviver com essa realidade levando adiante o exercício da crítica civilizada e consistente. [para tristeza de grande parte da imprensa e da turma do 'quanto pior, melhor', Bolsonaro será, com as bênçãos de Deus, o presidente da República até 31 dez 2022.
Porém, se ouvir milhões de brasileiros que mostram a impossibilidade dele governar dando atenção ao 'aiatolá' de Virginia e dando aos filhos autonomia para intromissão nos assuntos do Poder Executivo, chegando a dar a impressão que o Brasil é uma monarquia e colocar tais 'aspones' no devido lugar - que não é o de assessoria ou tutela - a reeleição, devido ao excelente governo que poderá realizar, é algo possível.
Felizmente, parece que o presidente resolveu ouvir os milhões de apelos, incluindo o da deputada Janaína Paschoal - leia aqui.]   A melhor resposta aos insultos são os fatos, que, aliás, existem à farta. Os mais evidentes deles dizem respeito a Sergio Moro e aos militares.

O titular da Justiça é reiteradamente desdenhado em suas propostas, exposto à realidade de submissão de seus planos ao imperativo presidencial não raro em sentido contrário. Os militares são aceitos pela sociedade na proporção inversa do prestígio conferido a eles por Bolsonaro, e aqui, nesta análise, sobra Paulo Guedes, da Economia.

Dele depende a reforma da Previdência, a qual está ligada a uma boa e consistente base parlamentar que Bolsonaro não tem nem indica intenção de ter. O presidente não confere sustentação parlamentar ao ministro, que à falta dela pode decidir não
prosseguir dando ao presidente aquele apoio profissional que permitiu aval à sua trajetória rumo ao Palácio do Planalto. Desse jeito, o jeito dele, não vai dar certo.
 
 

Publicado em VEJA de 22 de maio de 2019, edição nº 2635