Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador Reflexões pós-modernas. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Reflexões pós-modernas. Mostrar todas as postagens

sábado, 3 de setembro de 2022

Reflexões pós-modernas – o mundo insuportável de quem precisa de uma causa - Bernardo Guimarães Ribeiro

Essa semana, enquanto esperava os meninos na escola, ouvi no rádio uma música que me chamou a atenção, tanto pela linda voz, como pela melodia. Como gosto muito de Soul, acionei um app que tenho no celular de pesquisa musical e vi que se tratava de um dueto, sendo uma das cantoras a revelação Agnes Nunes. Rapidamente, então, fui ver de quem se tratava, qual minha surpresa em ler que a jovem cantora se declarava representante dos nordestinos e dos negros. A outra cantora do dueto era nada menos que Ivete Sangalo, hoje uma notória militante do movimento LGBT, mas que não foi poupada pelos próprios fãs ao abster-se de posicionamento nas eleições presidenciais de 2018.

A recente morte de Marília Mendonça chocou o Brasil pela prematuridade e por ter ela deixado um filho pequeno, mas grande parte das informações noticiadas à época do acidente foram direcionadas para a explicação da sua importância para o empoderamento feminino e até contra a gordofobia!!! Não sei se de forma deliberada ou não, mas referida cantora foi identificada como representante feminista e de pessoas gordas. Como ela acabou encampando o ativismo, foi criticada ao perder peso e quase cancelada ao não se posicionar publicamente contra um participante do “erudito” BBB.

Num recente Miss Universo – o último que vi – as manifestações das modelos trilhavam sempre a lógica politicamente correta e o engajamento em alguma causa. A relevância atribuída à militância era nítida, tudo em detrimento do verdadeiro motivo do concurso, qual seja a beleza da mulher. Havia modelos feministas, ambientalistas, LGBTistas, antirracistas e tudo mais que pudesse gerar exibicionismo moral. Nada contra a que mulheres exibam todo o seu cardápio de militância política, mas talvez fosse mais razoável criar um Miss Politicamente Correta!

O saldo final desse caldeirão de excrescências é que a celebridade pós-moderna tanto capitaliza sobre as agendas de minorias, angariando novos admiradores, como delas também se torna refém. Ou seja, o exibicionismo moral agrega, mas cobra seu preço – o ídolo passa a ser pautado pelos seguidores, isto é, teleguiado por alguma minoria que representa. Assim, o artista não é mais um farol para a sociedade; ele é um mero vagão, cuja locomotiva implacável é guiada por seu público ativista. Um exemplo claro disso ocorre com a atriz Marina Ruy Barbosa, sempre obrigada a se explicar perante os fãs que a guiam como um timoneiro à embarcação. Mencionada atriz foi criticada por uma ONG ao aparecer numa fotografia com um cachorro da raça Beagle, o que fora enquadrado como uma espécie de racismo animal (???), tendo que se justificar pela falha  e, mais recentemente, precisou se explicar por ter feito uma festa de aniversário durante a pandemia (.

Em paralelo a isso, com o incremento das redes sociais, temos um novo fenômeno ao qual denomino de carteirada por prestígio. Celebridades – e subcelebridades com elevada autoestima – são instadas a manifestar-se sobre qualquer discussão do momento, mesmo que não tenham o menor conhecimento do objeto. O palpiteiro vê-se obrigado a opinar nos mais variados assuntos do momento, de atracamento de navio a acasalamento de muriçocas. Logicamente, o posicionamento segue sempre a manada, visando a fornecer àquela posição um ar de credibilidade com o repaginado “sabe com quem está falando?”. Recentemente, o deputado Alessandro Molón participou de uma live  com a funkeira e especialista em todas especialidades, Anitta, que, dentre as inúmeras pérolas, disse estar surpresa por existir no Brasil “mais cabeça de gado que cabeça de pessoa”. A ideia subjacente de quem explora o prestígio alheio é a de que pessoas ignorantes pensem: “olha, você viu o que a Anitta disse sobre o peido das vacas ser muito poluente”? Anitta declarou recentemente que daria um tempo nos comentários políticos; nós agradecemos!

Como não há nada tão ruim que não possa piorar, os palpiteiros profissionais encontraram uma fórmula pra lá de criativa de constranger outras celebridades a opinarem no sentido do que desejam. Através do chamado desafio, um provoca o outro na intenção de engrossar o coro em direção a alguma opinião. O constrangimento é inexorável, pois eventual silêncio é sempre interpretado como a assunção de uma opinião contrária à finalidade da provocação, o que não pega tão bem para a opinião pública. Esse fenômeno sucedeu com a própria Ivete Sangalo e também com Cláudia Leite, quando desafiadas por – de novo ela – Anitta.

A consequência da adoção obrigatória de uma causa como bengala moral é o paradoxo da desumanização a pretexto da exibição de virtudes humanitárias. Uma pessoa é sempre um ser humano único, com suas qualidades, mas também com inúmeras imperfeições. A obrigatoriedade de ter uma causa a tiracolo para chamar de sua desloca os holofotes do objeto para o sujeito. À condição de indivíduo foram adicionados anexos sem os quais ele não é mais nada. É sobretudo por isso que o status pessoal passou a ser condicionado à agenda dos fãs censores. O cantor não é mais reconhecido pela sua música ou letra, mas pelo trabalho social ou ativismo ideológico que porventura desenvolva. Ao atleta não basta ser bom no esporte; ele tem que ser engagé. O ator não presta se não for aquele enfronhado na militância de algum partido que se oponha ao mal, mesmo que sequer se saiba o que é isso. Até o programa televisivo mais culturalmente underground, como o BBB, hoje tem seus participantes como diletos representantes de algum grupo!

Na pós-modernidade, nem mesmo cidadãos comuns e anônimos escapam à força gravitacional da afetação de virtudes. Todos querem representar algo ou alguém e ninguém quer ser o patinho feio sem causa. Se você não tem algo genuíno que se identifique, não tem problema, pois há todo um mercado emergente de temas, principalmente de hiperestimulação de ressentimentos e de gênese de novas minorias “oprimidas”. Encerro, pois, parafraseando o comercial oitentista do Neston: “existem mil maneiras de ter uma causa, invente uma”.

Maravilhoso, este artigo publicado originalmente pelo Burke Instituto Conservador.

O autor é escritor, autor de várias obras, entre as quais “Nadando contra a corrente”, sócio fundador do Burke Instituto Conservador.