Toffoli usou cautelosamente as palavras, mas suas observações foram um recado claro dirigido ao Executivo
Em evento promovido pela International Bar Association sobre segurança
jurídica e os riscos de insolvência na economia globalizada, o
presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, fez
duas observações importantes sobre o papel do Judiciário e suas
relações com o Executivo.
A primeira observação foi sobre as relações entre o direito e a
economia, principalmente num cenário de emaranhado de leis. Segundo ele,
a ideia de que “a economia deve conduzir o direito” causa preocupação
no âmbito da Justiça, uma vez que seus membros têm de decidir com base
na racionalidade lógico-formal do sistema jurídico, e não com base na
racionalidade funcional do sistema econômico. É por isso que os
tribunais devem ter a “frieza” de fazer valer os contratos e de
preservar atos juridicamente perfeitos, desempenhando assim suas
atribuições constitucionais, afirmou Toffoli.
A segunda observação foi no sentido de que, ao julgar litígios, os
juízes devem prender-se mais às normas, cuja redação é objetiva, do que
aos princípios jurídicos, que são expressos por conceitos
indeterminados. Magistrados querem “fazer justiça em caso concreto, em
vez de aplicar a lei. A função dos tribunais é aplicar a Constituição e
as leis. É garantir que as normas jurídicas e as regras do jogo político
sejam cumpridas como foram estabelecidas”, disse ele.
O pronunciamento do presidente do Supremo Tribunal Federal ocorreu três
dias depois que o presidente Jair Bolsonaro divulgou um texto que acusa o
Legislativo e o Judiciário de impedi-lo de governar e praticamente às
vésperas de manifestações de grupos que apoiam o Executivo contra os
outros Poderes. O discurso também foi feito no mesmo dia em que os
jornais mostravam que, em apenas 135 dias de gestão, cerca de 30 medidas
adotadas pelo governo Bolsonaro estavam sendo questionadas na mais alta
Corte do País. Entre as normas cuja constitucionalidade está sendo
contestada estão o decreto que determinou o contingenciamento das verbas
das universidades federais, o decreto que ampliou o direito de porte e
posse de armas e a medida provisória que proíbe desconto de contribuição
sindical em folha de pagamento. [estamos sendo recorrentes, chatos, mas o número de contestações dos atos do governo Bolsonaro, apenas demonstra que ele está trabalhando.
Apesar das encrencas que se envolve ou é envolvido, está trabalhando.
Não podemos esquecer que no Brasil, desde o surgimento da 'Constituição cidadã', judicializar alguma coisa se tornou algo extremamente banal, visto que a atual Carta Magna permite a judicialização até mesmo dos assuntos mais irrelevantes.
Dois exemplos:
a - recentemente o STJ foi acionado para permitir que uma moradora de um condomínio tivesse o direito de criar um gato no apartamento, prática que a 'convenção do condomínio', proíbe
O STJ deu ganho de causa a moradora.
b - o STF desperdiçou várias sessões para decidir se o Congresso Nacional está sendo omisso, devido a demora em decidir através de lei se somos obrigados a ser amigos de homossexuais ou se temos o direito de ignorá-los.
Um assunto banal, irrelevante, toma precioso tempo da instância máxima do Poder Judiciário.
Mais grave é o fato de que o Congresso não está sendo omisso - tramitam duas ações no Senado sobre o assunto e mesmo tendo sido oficialmente notificado pelo Senado da existência dos projetos, o STF decidiu continuar julgando a matéria.]
Toffoli usou cautelosamente as palavras, mas suas observações foram um
recado claro dirigido ao Executivo. Na primeira observação, ele deixou
claro que, se a Constituição e as regras do processo legislativo não
forem devidamente observadas na votação de Propostas de Emenda
Constitucional, o STF não hesitará em declarar sua
inconstitucionalidade. Em outras palavras, por mais importante que seja a
reforma previdenciária para a contenção da crise fiscal, os argumentos
jurídicos dos 11 ministros da Corte prevalecerão sobre os argumentos
econômicos do governo. E por mais urgentes que sejam as medidas
destinadas a conter a crise fiscal, o Supremo não aceitará que elas
passem por cima de atos juridicamente perfeitos.
Em sua segunda observação, Toffoli também demonstrou habilidade. Ele
sabe claramente que parte das críticas que a Justiça tem sofrido decorre
da opção de determinados magistrados por interpretações extensivas do
direito, muitas vezes com a intenção de proteger o que supõem ser a
parte mais fraca nos litígios, o que torna as decisões judiciais
imprevisíveis e dissemina a insegurança do direito. Assim, ao recomendar
enfaticamente aos juízes que deixem de lado, em seus julgamentos, a
“ponderação de princípios” e levem em conta o que a lei diz, o
presidente do STF antecipou-se a uma crítica que era esperada nas
manifestações de domingo.
A tensão entre o Executivo e o Judiciário só está ocorrendo por causa de
dois equívocos cometidos pelo presidente da República. O primeiro é o
expediente de usar decretos e medidas provisórias para tratar de
matérias que teriam de passar pelo Congresso sob a forma de projetos de
lei ou de Propostas de Emenda Constitucional. O segundo é desprezar os
órgãos técnicos responsáveis pela qualidade da elaboração legislativa.
As consequências desses erros são imprevisíveis e podem custar caro ao
governo e ao País.