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sábado, 24 de março de 2018

Suprema bagunça



O STF não se cansa de expor em praça pública seus vacilos, frágeis convicções jurídicas e apego midiático aos holofotes. 

As sessões viraram circo, com direito a bate-boca, xingamentos que afrontam o decoro e atitudes destemperadas de toda ordem. Até pedido para adiamento de sessão devido à viagem de um ministro é usado como subterfúgio. 

“Tenho que pegar um voo”???". É cabível uma desculpa dessa natureza? Pois Marco Aurélio Mello levantou a “questão de ordem” para receber um cargo honorário no Rio em meio ao mais esperado julgamento dos últimos tempos, o do habeas corpus preventivo e sem fundamento que livra o condenado Lula da cadeia. O colega Lewandovski aquiesceu com gosto, sugerindo à Corte considerar como procedentes as “casuabilidades”. 

 Viagens de última hora estão nessa categoria. É só apresentar o “check-in” da passagem para receber o consentimento dos pares. Difícil acreditar que o estratagema não estava previamente combinado. E fica a questão: o ministro Gilmar Mendes tem compromisso em Lisboa no dia 4 de abril, data prevista para a retomada do julgamento. E aí, vai adiar de novo? O Supremo brinca com o País. Lança incertezas jurídicas através dos ajustes excepcionais no regimento. Deixa decisões vitais em compasso de espera. Faz releituras enviesadas da Constituição. Demove jurisprudências. Promove a fuzarca legal. Talvez tenha descido ao degrau mais baixo do respeito moral da Nação. Debaixo até do lugar reservado aos parlamentares do Legislativo. Não há brasileiro que assista às audiências, televisionadas ao vivo, e que não fique estupefato, tomado pelo sentimento de descrença. Que Justiça é essa movida a pressões políticas? 

Para além das artimanhas, das brigas vexatórias, o Tribunal parece flertar com acertos nada republicanos nos bastidores e segue ao sabor das conveniências. O HC do honorável bandido petista, condenado em duas instâncias, foi empurrado goela abaixo para ser votado às pressas antes que o TRF-4 de Porto Alegre mandasse expedir o mandado de prisão. É surreal. Milhares de outros habeas corpus mofam na fila e foram atropelados para tratar da extraordinária condição do chefe de quadrilha, Lula – que se diz quase tão inocente como Jesus Cristo. O demiurgo de Garanhuns continua sacudindo o coreto dos magistrados. Depois de desmoralizá-los lá atrás, bradando em alto e bom som que “temos um Supremo totalmente acovardado”, ele é paparicado por vossas excelências. Ao menos por parte delas. Vários naquele tribunal não hesitam em lhe prestar vassalagem, através de sentenças favoráveis, talvez acreditando piamente que devem a ele o favor de estarem na cadeira que ocupam. 

A situação de Lula foi congelada no tempo, com um viés, digamos, benéfico a suas intenções. Uma liminar incomum, que se assemelha a um HC preventivo por tempo determinado, ele já ganhou. E os outros réus do Brasil, criminosos de colarinho branco ou não, batedores de carteira, assaltantes armados, meros larápios da esfera pública e privada, condenados em segunda instância como ele, que estão no aguardo com os seus HCs para sair das grades, também serão favorecidos pela liminar? A regra vale geral ou é feita sob encomenda, “on demand”, para Lula? Que fique sacramentada a nova ordem: nem todos serão iguais perante a Lei, na interpretação peculiar do Supremo. 

Mais adiante, se o STF livrar o petista, os demais deverão ser imediatamente soltos, implodindo de vez com a Lava-Jato. Para efeitos concretos, libertem logo Sergio Cabral, libertem Eduardo Cunha, coloquem na rua a cambada de privilegiados que a Justiça não quer incomodar, cada bandido desse imenso território, a corja de políticos que dilapidou as finanças públicas. Se a punição será aplicada somente quando esgotados todos os recursos, a impunidade vingará na esfera dos ricos e poderosos, únicos capazes de, pagando regiamente, estender a perder de vista seus processos. Quem mais vai ser preso nessa corriola no País? Quem vai delatar? Pra quê? 

Vamos ao mérito da discussão maior: a prisão em segunda instância. A titulo de ilustração, para se ter uma ideia do descalabro sobre o assunto, basta lembrar que das 194 nações filiadas à ONU, 193 delas prendem em primeira ou, no máximo, na segunda instância. Adivinhe qual o único país do grupo que ainda discute isso? Óbvio, o Brasil. Uma barbaridade. O debate sobre a prisão em segunda instância, que por aqui já foi votada três vezes e entrou em vigor há menos de um ano, presta-se ao casuísmo, ao anseio de acobertar um marginal que já dirigiu os destinos da Nação. A efetiva revisão da Lei dará a ele e a muitos outros um salvo conduto para continuarem delinquindo.

Carlos José Marques, diretor editorial da Editora Três