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quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

A versão de Queiroz

Ex-assessor de Flávio Bolsonaro rompe o silêncio depois de 20 dias, mas as explicações para sua movimentação financeira ainda são insatisfatórias

No final da década de 1980, o ilustrador britânico Martin Handford deu início a uma série de livros que se tornou sucesso em diversos países. Nos volumes, voltados para o público infanto-juvenil e intitulados “Onde está Wally?”, o leitor é desafiado a localizar o personagem em ilustrações que reúnem um emaranhado de situações e tipos.
A brincadeira ganhou nas últimas semanas uma versão brasileira. A diferença é que a pergunta se referia ao desaparecimento de uma pessoa real, envolvida num episódio com implicações relevantes para a política nacional. Trata-se do policial militar Fabrício Queiroz, ex-assessor parlamentar do deputado estadual e futuro senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente eleito. Na sexta-feira (21), pela segunda vez, ele deixou de se apresentar para depoimento agendado pelo Ministério Público, com vistas a colher explicações para o fato de ter movimentado em sua conta bancária, ao longo de um ano, R$ 1,2 milhão —quantia aparentemente incompatível com sua renda.
As operações foram identificadas em relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) vinculado a um desdobramento da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro. Entre saques e depósitos em dinheiro, transferências e cheques, Queiroz destinou R$ 24 mil para a futura primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Desde que o caso veio à tona, assistiu-se a um espetáculo de evasivas e explicações pouco convincentes por parte dos Bolsonaros. O presidente eleito disse ter emprestado R$ 40 mil ao ex-assessor, seu amigo e companheiro de pescaria. O filho garante que ouviu do policial uma versão convincente, mas prefere deixar que ele a exponha.
Levantou-se a hipótese de que Queiroz fosse o responsável por recolher parcelas dos salários dos funcionários do gabinete —expediente nada incomum no Legislativo. Para justificar o sumiço do policial militar, os advogados de defesa afirmaram que ele foi acometido por um grave problema de saúde e precisou ser submetido a um procedimento invasivo, mas não apresentaram provas documentais. Nesta quarta-feira (26), 20 dias depois de o caso ter sido revelado, foi ao ar na rede de televisão SBT uma entrevista na qual Queiroz declara que suas movimentações devem-se a negócios que sempre costumou fazer, em particular a compra e venda de automóveis. Não se sabe exatamente onde e quando a conversa foi gravada.
[quem muito explica acaba se complicando, sendo cobrado, ainda que seja por quem não  tem o direito de cobrar alguma coisa.]
Sobre seu estado de saúde, ele disse que foi diagnosticado com um câncer e será submetido em breve a uma cirurgia. O ex-assessor assegurou na entrevista que pretende contar sua versão ao Ministério Público e explicar todas as transações que foram detectadas pelo Coaf. É de se perguntar por que não o fez até agora. Espera-se que as autoridades localizem o suspeito e elucidem o quanto antes esse caso.
 
Editorial - O Estado de S. Paulo