Para salvar Lula, PT quer tentar tirar credibilidade da Operação Lava-Jato
Sigla alegará que ex-presidente sofre ‘massacre’; aliados admitem desgaste
Lula perdeu em 1ª instância ação contra O GLOBO
Na nota divulgada ontem, o Instituto Lula volta a dizer que o
ex-presidente está processando jornalistas do GLOBO por reportagem sobre
o apartamento no Guarujá, mas não que perdeu a ação em 1ª instância. Ao
julgar a ação improcedente, o juiz Mauro Nicolau Junior, da 48ª Vara
Cível do Rio, expôs as contradições de Lula: “A conduta da assessoria de
imprensa do autor se revela contraditória, ora afirmando ser o imóvel
de propriedade do autor e de sua família, ora negando”.
O processo foi movido por Lula depois que o jornal mostrou, em 12 de
agosto do ano passado, que um grupo empresarial recebera R$ 3,7 milhões
da GFD — empresa usada para lavar dinheiro do doleiro Alberto Youssef — e
repassou quase a mesma quantia para a construtora OAS, na finalização
das obras do prédio no Guarujá. Lula sustentou que repórteres do GLOBO
tiveram a intenção de atacar a sua honra ao publicar a reportagem.
Ao negar o pedido, em sentença de 14 de dezembro, o juiz entendeu que
os jornalistas “não praticaram qualquer ato ilícito” e apenas exerceram
o direito de liberdade de expressão. Por essa razão, julgou a ação
improcedente e registrou que os fatos narrados pela reportagem são de
interesse público. “É de notório conhecimento que o país vive momento
histórico ímpar, iniciado pela ‘Operação Lava-Jato’, promovida por
iniciativa de Polícia Federal e Ministério Público Federal, que busca
deflagrar esquemas de corrupção em empresas públicas, e entre
empreiteiras e agentes públicos. Qualquer fato que possa estar ligado a
essa operação é de grande interesse público e merece ser noticiado”.
O magistrado também refutou alegação da defesa de Lula de que o
apartamento não pertencia ao ex-presidente. Na ocasião, Lula disse que
sua mulher, Marisa Letícia, possuía cota de participação da Cooperativa
Habitacional dos Bancários (Bancoop) referente ao apartamento. Mas o
juiz lembrou que, em 2010, a própria assessoria do Instituto Lula
informou que o imóvel era do ex-presidente.
O juiz ressaltou que, se há investigações sobre o empreendimento,
isso deve ser público. “Na hipótese de haver investigações criminais em
curso sobre as obras do edifício em que o autor (Lula) seria
proprietário de unidade, ou que sua esposa teria quotas conversíveis em
unidade do edifício, tal fato não deve passar despercebido pela
imprensa. Tem sim esta o direito, mais que isso, o dever, de noticiar
tais fatos, desde que devidamente embasadas suas afirmações e
apresentadas as versões dos envolvidos, o que é observado na matéria
jornalística tratada neste processo.”
Com a Operação Lava-Jato cada vez mais próxima do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, o PT investirá em um discurso de vitimização de
sua maior liderança, alegando que ele é alvo de um “massacre”. Apesar da
estratégia, pessoas próximas do líder petista reconhecem que o desgaste
é real e que ele terá dificuldade para atuar como cabo eleitoral nas
eleições municipais deste ano como fez em 2012.
Os petistas
apostam na radicalização para mobilizar sua militância e pretendem
partir para o enfrentamento, afirmando que há seletividade nas
investigações e no vazamento de informações. O objetivo é não só tentar
tirar a credibilidade da Lava-Jato, mas também desgastar políticos da
oposição que já foram citados.
Pressão para 2018
Apesar do cenário, cresce no PT a pressão para que Lula seja
candidato à Presidência da República em 2018, com o argumento de que ele
terá que defender seu nome e seu legado.
— Agora só tem um caminho, que é o Lula ser candidato. Ele pode estar
desgastado agora, mas não o subestimem — afirmou o senador Lindbergh
Farias (PT-RJ). Para um petista que frequenta o Instituto Lula, o estrago da imagem
do ex-presidente está em curso, mas ainda é cedo para avaliar o impacto
que as denúncias terão na disputa presidencial de 2018.
— Se depois de todo esse noticiário, não se confirmar nada, ele se
recupera e se fortalece. Agora, se alguma coisa grave aparecer ou for
interpretada assim, é outra história. Tem que dar tempo ao tempo. A vaca
foi brejo? Não. Ele perdeu popularidade? Perdeu, sem dúvida.
Esse aliado considera “um milagre” Lula ainda aparecer em torno dos 20% das intenções de voto nas pesquisas presidenciais.
Para outro petista próximo ao ex-presidente, Lula enfrentou na semana passada o ataque mais “cerrado” até agora: — Quando você acusa muito uma pessoa, gera uma desconfiança. Cria uma
atmosfera. Num primeiro momento, é fatal. O prestígio dele vai ser
afetado. Vamos ver as próximas pesquisas. Não está fácil a vida para
ele.
Esse impacto na popularidade deve fazer com que Lula tenha uma
postura mais reservada na eleição deste ano. O partido já decidiu, por
exemplo, tirar o ex-presidente dos comerciais que serão exibidos no mês
que vem. Há quatro anos, Lula tomou a frente de campanhas para prefeito
da legenda e, principalmente, ajudou a eleger o estreante Fernando
Haddad em São Paulo.
Por outro lado, petistas próximos a Lula afirmam que o crescimento
das denúncias contra o ex-presidente levará ao acirramento de ânimos da
militância. — Ninguém vai para a rua muito animado para defender a Dilma. Com Lula é bem diferente — disse um amigo.
O deputado Paulo Pimenta (PT-SP) lista as investigações contra o
ex-presidente e sua família, além dos vazamentos de informação, para
dizer que há “seletividade” nesse processo e cobrar o mesmo tratamento
para políticos da oposição. — Isso cada vez mais reforça um sentimento de seletividade na nossa
base social, que nunca viu a imprensa investigar o Fernando Henrique
(Cardoso), o Aécio (Neves), o (José) Serra — afirmou Pimenta.
A base do PT está se mobilizando para defender o ex-presidente. O
argumento é que a intenção das investigações seria acabar com a
possibilidade dele voltar a concorrer.
— Querem é colocar algemas no Lula e uma coisa ele não tem: medo. É
bom o pessoal tomar cuidado para não o transformar em mártir — disse um
amigo do ex-presidente.
Um ex-ministro avalia que o alvo da Lava-Jato sempre foi Lula. — Querem acabar com o nosso projeto — afirmou ele . [o alvo da Lava-Jato sempre foi prender bandido; por óbvio, por ser Lula o chefe, ele é o alvo principal.]
Lula visitou tríplex
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva admitiu ontem, em nota
divulgada pelo Instituto Lula, que visitou o tríplex no edifício
Solaris, na praia das Astúrias, no Guarujá, apesar de ter negado
novamente ser dono do imóvel. Na nota, o petista disse que esteve no
apartamento, junto com o então presidente da construtora OAS, Léo
Pinheiro, condenado na Lava-Jato a 16 anos pelos crimes de corrupção
ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa. A visita ocorreu um
ano após a OAS concluir a construção do edifício.A nota diz que
Lula esteve uma única vez no edifício, embora, em depoimento ao
Ministério Público estadual, o zelador do prédio, José Afonso Pinheiro,
tenha afirmado que o ex-presidente foi ao local duas vezes. Na ocasião
da visita, segundo o instituto, Lula e sua mulher, Marisa, avaliaram que
o imóvel “não se adequava às necessidades e características da família,
nas condições em que se encontrava”.
A nota do petista dá a
entender que, depois da visita de Lula e de Marisa, a OAS decidiu fazer
uma reforma no tríplex para adequá-lo às necessidades da família. O
Instituto Lula diz que a família desistiu do apartamento, em 26 de
novembro de 2015, porque, “mesmo tendo sido realizadas reformas e
modificações no imóvel (que naturalmente seriam incorporadas ao valor
final da compra), as notícias infundadas, boatos e ilações romperam a
privacidade necessária ao uso familiar do apartamento”.
Em
depoimento ao MP, o engenheiro Armando Dagre, da Talento Construtora,
contratada pela OAS para fazer as reformas, disse que a obra custou R$
777 mil. A obra incluiu a instalação de um elevador privativo. A
assessoria do ex-presidente reconhece que Marisa e Fábio Luís Lula da
Silva, o Lulinha, filho do casal, estiveram na unidade durante a
reforma, sem especificar quantas vezes. “Em nenhum momento Lula ou seus
familiares utilizaram o apartamento para qualquer finalidade.”
“Escândalo a partir de invencionices”
O
Instituto Lula afirmou na nota que os adversários do petista e a
imprensa “tentam criar um escândalo a partir de invencionices”. A nota
tem o título de “Os documentos do Guarujá: desmontando a farsa”, e o
Instituto Lula volta a dizer que Lula está processando jornalistas do
GLOBO, embora não informe que o ex-presidente perdeu em primeira
instância. O Ministério Público de São Paulo investiga ocultação de
patrimônio por parte do ex-presidente com relação ao imóvel, e a
força-tarefa da Operação Lava-Jato põe o tríplex numa lista de 11
apartamentos suspeitos de terem sido usados para lavar dinheiro de
contratos da Petrobras.
Na nota, Lula diz que, quando Marisa
Letícia se associou à Bancoop (Cooperativa Habitacional dos Bancários de
São Paulo), em 2005, escolheu um apartamento comum do prédio, e não o
tríplex. No termo de adesão à Bancoop, divulgado junto com a nota, está
escrito que o casal ficaria com a unidade 141 do edifício, um
apartamento de três quartos. Essa unidade é padrão do prédio, com 82,5
metros quadrados, de acordo com o instituto (o trecho do documento
enviado não dá detalhes do apartamento, limitando-se a dizer que o local
tem três dormitórios).
O instituto acrescenta ainda que, até
setembro de 2009, a família Lula investiu R$ 179.650,80 (R$ 286.479,32
em valores de hoje) no apartamento. Afirma também que, naquela época, a
Bancoop passava por uma crise e transferiu empreendimentos para
incorporadoras, entre elas a OAS. Quando a OAS assumiu o prédio do
Guarujá, Marisa Letícia deixou de fazer os pagamentos mensais porque não
recebeu mais boletos da Bancoop, e também não fez a adesão ao contrato
com a nova incorporadora. Por isso, perdeu a reserva do 141.
Entre
2009 e 2014, pelo que diz a nota, a família de Lula não teria tentado
receber de volta os R$ 179.650,80 que havia pago à Bancoop. Segundo o
Instituto Lula, só em 2014, um ano depois de a obra ser concluída, o
ex-presidente e a sua mulher visitaram, junto com Léo Pinheiro, uma
unidade à venda no prédio. Essa unidade era o tríplex 164-A, de 215
metros quadrados.
Ainda na versão de Lula, a desistência do
apartamento ocorreu em 26 de novembro de 2015, por causa das notícias
sobre o imóvel. O documento de desistência assinado por Marisa e
encaminhado pelo Instituto Lula tem a data de 2009, e os valores que o
casal teria direito de receber de volta são os da época (sem correção
pela inflação). Segundo o instituto, “como se trata de um formulário
padrão, criado na ocasião em que os associados foram chamados a optar
entre requerer a cota ou aderir ao contrato com a OAS (entre setembro e
outubro de 2009), ao final do documento consta o ano de 2009”. O
dinheiro ainda não começou a ser devolvido.
Lula também alega que
não ocultou patrimônio, como acusa o promotor Cássio Conserino, um dos
responsáveis pela investigação conduzida pelo Ministério Público de São
Paulo, porque declarou, em seu Imposto de Renda, a “cota-parte” da
Bancoop que possuía.
Fonte: O Globo